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Crise global detona reação em cadeia

Aperto no crédito atinge do fabricante ao consumidor depois de passar pelo fornecedor da matéria-prima e pelo transporte Zulmira Furbino e Marta Vieira Como num jogo de dominó, os efeitos da crise financeira mundial começam a se alastrar do fabricante que põe a sua marca no bem oferecido ao consumidor, passando pelo fornecedor das matérias-primas e pelas empresas transportadoras. É a reação em cadeia às dificuldades que começaram com o enxugamento do crédito, uma das principais engrenagens do crescimento econômico. Indústrias de tecidos já sentem o impacto da redução das encomendas de grandes lojas de departamentos ao setor da confecção. Da mesma forma, a diminuição da produção da indústria automobilística, com as férias coletivas concedidas pelas montadoras – GM, Fiat, Ford e Volkswagen -, impôs cortes nas usinas siderúrgicas, que, por sua vez, diminuíram as compras dos produtores de ferro-gusa. A retração, em conseqüência, alcança o fornecimento de minério de ferro. O presidente da Colortêxtil e do Sindicato das Indústrias Têxteis de Malhas no Estado de Minas Gerais (Sindimalhas), Flávio Roscoe, afirma que os magazines estão postergando ou cancelando seus pedidos. “Esse cancelamento chega primeiro às confecções e, em seguida, é repassado para as nossas fábricas de tecidos”, explica. Segundo o empresário, somente nos últimos 15 dias, houve cancelamento superior a 20 pedidos na Colortêxtil, que deixou de vender R$ 500 mil. A suspensão das encomendas leva as confecções à inadimplência por falta de crédito na praça. “Por enquanto, perdemos 10% dos pedidos previstos, mas há associados do Sindimalhas que já falam em 30%”, revela. O Estado de Minas conversou com um fabricante de camisas masculinas de malha que pediu para não ser identificado. Com uma fábrica instalada no Brás, em São Paulo, e um portfólio de clientes do porte da C&A, Pernambucanas, Extra e Marisa, ele conta que as encomendas despencaram, levando à eliminação de 20% dos empregos na empresa, que ficou inadimplente com aos fabricantes de tecidos. Segundo ele, as prateleiras de sua confecção estão lotadas com produtos pedidos pela C&A há pelo menos 90 dias. “Ia entregar na semana que vem, mas recebemos um e-mail dizendo que o prazo para a compra foi prorrogado devido à má venda. Não pagamos a matéria-prima nem temos como pagar”, lamenta. Procurada pela reportagem, a C&A não confirmou o corte nas encomendas. Espécie de termômetro da crise, do comércio às cadeias da produção industrial, as empresas de transporte rodoviário no estado registram desaquecimendo, informa Paulo Sérgio Ribeiro da Silva, dono da Tora Transportes e presidente da Federação das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas de Minas Gerais (Fetcemg). Entre os produtos que saem de Minas para outros estados, as transportadoras estimam queda de 10% a 15% do serviço e no transporte de produtos com destino à exportação, das fábricas até os portos, a exemplo do ferro-gusa, os pedidos diminuíram de 30% a 40%, dependendo do contrato. “Com certeza, está havendo um rearranjo nas atividades produtivas. Essa crise vai implicar a reformulação de investimentos e a circulação menor de bens e mercadorias”, afirma. Os produtores independentes de ferro-gusa, fornecedoras de aço e ferro para os mais variados ramos da indústria, entre eles as fábricas de automóveis, caminhões e tratores, têm sido um dos mais afetados com a diminuição das compras em cadeia. Na Siderúrgica Paulino (Siderpa), em Sete Lagoas, a queda da demanda no mercado internacional e o enfraquecimento das encomendas internas levaram à estocagem do produto no pátio da fábrica. “Quando o estoque fica parado, o custo é muito alto. Como não há linhas de crédito para financiar esse custo, a alternativa é parar”, diz o presidente da empresa, Afonso Henrique Paulino. De acordo com ele, além da dificuldade de obtenção de empréstimos, os juros das linhas de antecipação de contrato de câmbio dobraram, passando de 5% para até 12% ao ano. A empresa vende gusa para a fabricação de aço e peças fundidas, que vão desde bisturis a motores de navio. Com a parada de três dias da produção da Fiat na semana passada, o consumo de ferro caiu. Isso ocorreu também durante as férias coletivas na General Motors. Por causa da crise, um dos fornos da Siderpa teve de ser paralisado há 15 dias. “Vendíamos 12 mil toneladas por mês, volume que caiu para 7 mil”, justifica Paulino. Na construção, material deixou de ser problema Geórgea Choucair O cancelamento e adiamento de obras no segmento da construção civil já são sentidos entre os fornecedores de matéria-prima. O aço, produto escasso nas prateleiras até setembro, não enfrenta mais o problema da oferta. “Antes, estávamos com dificuldade para encontrar o aço. Hoje, temos o material, mas já não há a procura”, afirma Rubson Lopes Nogueira, presidente da Associação Mineira dos Distribuidores de Aço (Amida). O ritmo de obras está mais lento, principalmente nas construtoras de médio porte, segundo Nogueira. “Essas empresas já reduziram o ritmo de reformas e início de novas construções. Quem iria começar adiou. Quem já estava produzindo desacelerou. Muita gente está em compasso de espera para ver como vai ficar a situação com a crise”, afirma Nogueira. O cliente que não tem urgência na obra prefere esperar, pois aposta na queda de preços. O engenheiro Fernando de Barros trabalha com obras industriais e residenciais. Grande parte de sua clientela é de investidores. “Muitas obras que iam começar este ano foram adiadas para depois do carnaval. Como a demanda diminuiu, pode ser que o preço do aço caia”, diz. A demanda de vergalhões na ArcelorMittal Aços Longos, uma das principais fornecedoras de aço para a construção civil, caiu nos últimos dias. A empresa ainda não definiu, no entanto, se vai adotar alguma estratégia operacional em função dessa queda. A retração de consumo de outro produto da empresa, o fio-máquina para uso industrial, levou a Arcelor a dar férias coletivas em novembro e dezembro para funcionários.