Avanços da informática e novos materiais ampliam perspectivas de criação nos processos de produção de edifícios Denise Menezes Diferentemente de períodos anteriores, quando as artes, principalmente a pintura e a escultura, ditavam a estética de época, agora é a arquitetura que marca um novo desdobramento na história da arte. “Estamos vivendo um momento estimulante na arquitetura, com o pós-modernimo, que propõe uma nova estética, multidirecional, em que o observador e a obra têm movimentos sincrônicos”, diz o arquiteto paulista Decio Tozzi. A nova estética, lembra o arquiteto Marcelo Pinto Guimarães, professor da Escola de Arquitetura da UFMG e Ph.D. em design universal, se apóia no desenvolvimento tecnológico. “Entre as tendências atuais da arquitetura, vemos as formas criadas pelo uso de computação gráfica em sistemas avançados de processamento de imagem como uma nova linguagem a ser explorada muitas vezes por profissionais trabalhando em grandes equipes”, observa. O professor da UFMG afirma que os avanços da informática influenciam, inclusive, no desenvolvimento e no teste simulado do comportamento de novos perfis estruturais e de materiais. “E isso tem ampliado as perspectivas de criar formas inovadoras nos processos de produção de edifícios”, assinala. Entre os ícones desse novo estágio da arquitetura, Decio Tozzi cita os trabalhos da iraquiana Zaha Hadid, como o Vitra Fire Station, na cidade alemã de Weil am Rhein, e a obra do canadense Frank Gehry, como o Museu Guggenheim Bilbao, na Espanha. Já Marcelo Pinto Guimarães destaca os edifícios construídos para as Olimpíadas de Pequim, como o Ninho do Pássaro e o Cubo d’água. “São trabalhos que podem ser reconhecidos como uma arquitetura pós-modernista e expressionista, onde a composição surpreende por formas complexas, intrincadas, que proporcionam uma atmosfera emocional variada por diferentes efeitos de luz em larga escala”, analisa o professor da UFMG. Em Minas, diz Decio Tozzi, um dos precursores dessa nova estética foi o arquiteto Êolo Maia, falecido em 2002, responsável, entre outros trabalhos, pelo projeto da Academia Wanda Bambirra, construída em Belo Horizonte, na década de 1990. Desafio de humanizar as cidades Denise Menezes Na avaliação do arquiteto paulista Decio Tozzi, a cena da arquitetura brasileira se divide em dois eixos. O primeiro, predominante e classificado por ele como modernismo tardio, insiste em trabalhar na escala do edifício. E o outro, considerado pelo arquiteto um pós-modernismo de vanguarda, que se esforça para entender a metrópole e encontrar soluções que atendam seus principais problemas: adensamento, verticalização, violência, colapso no trânsito etc. “O grande desafio dos arquitetos e o verdadeiro caminho da pós-modernidade é o entendimento da metrópole, com sua grande concentração populacional, urbanização densa e a superposição de funções, na busca por soluções que resgatem a convivência humana em áreas livres e não em guetos. Quem continua a trabalhar na escala do edifício, da economia molecular, está matando a cidade”, defende. Para Decio Tozzi, um exemplo prático de que essa nova visão da arquitetura pode e deve ser aplicada é o projeto do prédio do Fórum Trabalhista de São Paulo, que esteve no centro das atenções no país, no final da década passada, em função da descoberta de superfaturamento nas licitações para a sua construção, caso protagonizado ex juiz Nicolau dos Santos Neto, já condenado pela Justiça. A despeito do escândalo, as obras do edifício, projetado por Decio Tozzi, foram concluídas em 2004 e ele é reconhecido hoje como um complexo arquitetônico de excelência, que recebe por dia um fluxo de 15 mil a 20 mil pessoas, sem que isso interfira na qualidade de vida de seus usuários ou da população de seu entorno. Segundo o arquiteto, o prédio foi projetado com a idéia de um bairro, como uma metáfora da cidade, onde 24 elevadores de alta velocidade fazem o transporte das pessoas; o hall foi substituído por uma praça pública, usada, inclusive, pela comunidade, e as juntas posicionadas em seu entorno. “A praça também exerce a função de prestar serviço para toda a cidade por meio de restaurante, livraria, posto telefônico, banco e auditório para concertos ali instalados”, diz. A arquiteta Cristina Menezes observa que a arquitetura deve dar a sua contribuição para o resgate da convivência nas cidades, mas, pondera que o arquiteto trabalha com limitações impostas pela necessidade de lucro das incorporadoras, pelo conservadorismo e pouca consciência do público em questões cruciais para a qualidade de vida e ainda pela falta de visão dos governantes. “Assim, temos essa dicotomia. Uma arquitetura institucional mais ousada, feita basicamente em prédios públicos ou privados de uso público, e outra mais comercial, onde o cliente, seja ele uma construtora ou não, dá a palavra final.” Já o arquiteto Marcelo Pinto Guimarães considera que a arquitetura não pode responder sozinha aos grandes problemas da cidade, mas sua contribuição é estrutural. “A chave para essas questões está no planejamento estratégico dos planos diretores e na aplicação de políticas de apropriação e do uso do solo que se vinculem ao maior poder das comunidades”, diz. Acessibilidade ainda é questão secundária Portador de deficiência física, o arquiteto Marcelo Pinto Guimarães enfrenta, no seu cotidiano, múltiplos obstáculos para se locomover em espaços privados ou públicos, e detém o conhecimento técnico suficiente – é Ph.D. em design universal – para avaliar a importância que tem se dado à questão da acessibilidade nas construções contemporâneas. “Infelizmente, a acessibilidade ainda ocupa posição secundária frente a outros elementos de um edifício, capazes de atrair o interesse das pessoas”, afirma. Assim, continua o arquiteto, se hoje há rampas junto às entradas dos edifícios, elas só existem pela ação das prefeituras e do Ministério Público, que obrigam empreendedores e profissionais a seguirem exigências legais. Da mesma forma, onde existem os banheiros com maior espaço interno, ele é segregado para o uso de poucas pessoas. Na avaliação de Marcelo, isso ocorre porque a sociedade, sobretudo boa parte das grandes empresas capazes de servirem como agentes de transformação para o bem-estar de todos, não entendem o desenho universal como fórmula para a construção de espaços inclusivos e sustentáveis. O problema é confirmado na rotina de trabalho dos profissionais da área. “Se há uma solução que atenda todos, deficientes ou não, que está além das exigências legais, é nossa obrigação oferecê-la ao cliente. Afinal todos estamos sujeitos a situações que possam causar alguma dificuldade de locomoção, mesmo que temporária. Mas sempre esbarramos nas questões de custo e na visão equivocada de que a acessibilidade é uma necessidade de apenas 10% da população. Por isso, promover a acessibilidade ainda é um problema nas construções atuais”, admite a arquiteta Luciana Catão. Sustentabilidade em pauta Outra grande tendência da arquitetura é o desenvolvimento e aplicação de tecnologias que equacionam ou minimizam os impactos ambientais. Marcelo Pinto Guimarães cita a criação dos edifícios ecológicos, “que expressam maior harmonia com os processos virtuosos da climatização e de ambientação pela natureza”, diz. Entre os sistemas que alteram, significativamente, a imagem, a identidade e as características dessas edificações, o arquiteto destaca as películas nos vidros, que diminuem a influência negativa da radiação solar; os equipamentos controlados por sensores, que maximizam o aproveitamento da energia antes desperdiçada; as estruturas que permitem a reordenação das divisões e a compartimentação de espaços com dimensões flexíveis; e os jardins e plantações suspensas sobre mantas impermeabilizadas, que contribuem para a captação, a retenção e o aproveitamento da água de chuva nas lajes e telhados. A arquiteta Luciana Catão lembra de recursos cujo uso já está disseminado nas edificações brasileiras, como os sistemas de aquecimento solar, e produtos, como revestimentos, feitos com madeira proveniente de matas de reflorestamento, que substituem o material natural. Ela observa ainda que hoje é possível promover uma iluminação com o máximo de eficiência energética por meio de um bom projeto. “O conhecimento do profissional é que vai fazer a diferença, com uma boa distribuição dos pontos e com o uso de lâmpadas adequadas”, acrescenta. Já Cristina Menezes considera que um obstáculo para o uso de boa parte dos materiais considerados ecologicamente corretos é o custo elevado. “Os sistemas de tratamento e reaproveitamento de água, por exemplo, ainda são muito caros, e outros materiais, como os revestimentos industrializados, que substituem materiais naturais, por serem produzidos ainda em pequena escala, têm custo de quatro a 10 vezes maior do que os produtos convencionais.” Ela considera, entretanto, que a popularização do uso dos produtos ecologicamente corretos possa se dar em pouco tempo. “O processo já foi deflagrado, está em andamento e não tem volta. As pessoas estão se conscientizando e é cada vez maior o interesse por esse tipo de produto e a conseqüência será um volume de produção maior e preços menores”, avalia. Decio Tozzi sustenta que a preocupação com a sustentabilidade na arquitetura antecede o modismo e o marketing dos dias atuais e pode ser notada em recursos usados nas construções modernistas, onde já se podia notar um esforço para o melhor aproveitamento da luz natural e para a climatização, também natural, das edificações. “O que ocorre hoje é que estamos em situação de risco, o aquecimento global é realidade. Então, há uma atenção maior dos profissionais para a preservação paisagística e ecológica.”