REINSERÇÃO DE PRESOS Junia Oliveira Deixar a prisão, ganhar a tão sonhada liberdade e recomeçar. O desejo de nova vida se torna um desafio quando se esbarra na desconfiança e no preconceito. Entre tantos caminhos a percorrer, um pode ser decisivo entre a reintegração e o retorno à criminalidade: o emprego. Bater na porta das firmas não é tarefa fácil e a chance de um trabalho formal fica mais distante quando o atestado de bons antecedentes estampa o passado. Parceria inédita no país promete mudar a realidade dos egressos do sistema prisional em Minas Gerais. O Programa Regresso, com foco na reinserção social e na produtividade, que será lançado no mês que vem, vai congregar empresas em atuação no estado para a contratação inicial de 300 ex-presidiários. Depois de deixar a penitenciária no ano passado, Hélio Hermógenes, de 37 anos, começou a batalha por emprego. Ele procurou uma repartição do Ministério do Trabalho especializada no atendimento ao idoso, deficiente e ex-presidiário e, de lá, foi até a Central de Penas Alternativas (Ceapa), da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), e encaminhado para um curso de carpintaria. Hoje, comemora os resultados: em fevereiro, foi contratado pela Odebrecht, para uma das vagas da construção do Centro Administrativo, na Região Norte de Belo Horizonte. “Quero terminar de estudar. Ganhei uma bolsa de ensino médio no colégio e sei que minha vida será outra daqui para frente.” Além de Hélio, a empresa contratou outros seis egressos. O responsável pelo departamento de recursos humanos da Odebrecht, Audálio Luiz Moreira Neves, avalia positivamente o desempenho dos novos funcionários. “Estão felizes e dispostos, pois têm uma oportunidade que ninguém quer dar”, diz. Todos os ex-condenados contratados pela empresa passaram por treinamento e pré-seleção na Associação Preparatória de Cidadãos do Amanhã (Aprecia), entidade filantrópica que tem parceria com a Seds há dois anos para qualificação profissional de quem deixou a prisão. Segundo o diretor de projetos da Aprecia, Israel Macedo Breder, a associação tem oito firmas parceiras e a expectativa para este ano é dobrar o número de encaminhamentos de egressos ao mercado de trabalho. “Quem consegue uma chance tem muita gratidão pelo programa e já temos casos de egressos que foram promovidos. Eles são empenhados e agarram a oportunidade, e isso é um impacto positivo para qualquer empresa.” CARTEIRA O pedreiro Periel de Souza, de 40 anos, não desperdiçou a chance. Ele fez o curso pela Aprecia no fim de 2008 e, menos de dois meses depois de ter conseguido a liberdade condicional, já estava com emprego formal, também pela Odebrecht. “Nem carteira de trabalho eu tinha. Com o curso há 15 ou 20 anos, não teria entrado para a criminalidade e, se não estivesse trabalhando, provavelmente voltaria a fazer algo errado. A maioria dos egressos não tem oportunidade de emprego, a não ser que seja por indicação de alguém”, diz. A possibilidade de crescer dentro da empresa o anima a cada dia. “Minha família está superfeliz. Tenho uma filha de 17 anos fazendo fisioterapia, a única da família que chegou à faculdade. Aprendi a valorizar o que tenho e para o crime eu não volto mais.” A parceria da Seds com o Instituto Minas pela Paz, uma organização não-governamental (ONG) que reúne 30 empresas filiadas à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), vai garantir a formação profissional e o encaminhamento ao serviço de egressos e pessoas que estejam em liberdade condicional. Entre as companhias que aderiram, estão grupos do porte da Usiminas, Fiat e Andrade Gutierrez. Os empregadores receberão subvenção do estado no valor de dois salários mínimos, durante 24 meses. “A ajuda financeira é uma maneira de estimular a empresa”, afirma o secretário de Defesa Social, Maurício Campos Júnior. Construção do futuro Do encarceramento para uma nova vida. Com base nesse preceito, não só os departamentos de recursos humanos, mas os próprios representantes das empresas começam a mudar regras e abrir novas possibilidades. Numa construtora de Belo Horizonte, a sugestão de contratar egressos do sistema prisional partiu de um acionista, integrante de um grupo que debate o assunto dentro da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Depois da formatação do projeto, veio a fase de ajustes com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). A primeira experiência, este ano, já é comemorada. “Um dos critérios é deixar o passado com o funcionário, pois a nossa proposta é de construção do futuro. Na entrevista, somente o RH sabe o que a pessoa fez”, afirma a gerente de recursos humanos da construtora Masb, Mariângela Tolentino Diório. “Quando a empresa oferece oportunidade, deve enxergar neles o desejo de reconstruir a vida, já que o caminho eles mesmos vão traçar”, explica. Na Core, uma indústria de móveis corporativos, essa relação é levada em conta em larga escala. Toda a produção das cadeiras para escritório é feita por detentos da Penitenciária José Maria Alckmin, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana. Eles recebem cesta básica, salário e remissão da pena. A ideia é capacitar os presos para serem absorvidos pelo mercado de trabalho quando saírem da prisão ou contratá-los diretamente, a exemplo do que ocorreu com o vendedor Sandro Rizieri, de 38 anos. No Núcleo de Prevenção à Criminalidade, ele conheceu a Aprecia, onde fez os cursos de educação para o trabalho e de vida e valores. No projeto de inclusão produtiva, ele passou por um processo seletivo e, há sete meses, trabalha na Core, no atendimento a clientes, fazendo propostas, pedidos e orçamentos, depois de ficar dois anos desempregado, vivendo à base de serviços informais. “Procurei o núcleo por causa da dificuldade em achar emprego, pois todos os lugares exigem o atestado de bons antecedentes”, diz. A diretora comercial da empresa, Nazareth Cruz, já pensa em expansão: “Tenho muita confiança nele e, com base nessa experiência, queremos ampliar a equipe e fazer mais seleção com a Aprecia”. As perspectivas de Sandro são as melhores. “Quero dar conforto, estabilidade à minha mulher e filha e comprar uma casa, além de me tornar um grande vendedor. Tive muitas portas na cara e isso é desmotivante, mas nunca me deixei abater. Tenho tantas possibilidades agora que é até difícil falar o que quero, pois desejo muitas coisas.”