Sinduscon – MG

Notícias

Home / Artigo: Consignado com FGTS traz perdas para o trabalhador

Artigo: Consignado com FGTS traz perdas para o trabalhador

Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)

Na semana em que perdeu o emprego, Joaquim ficou ainda mais preocupado quando não conseguiu sacar o saldo de sua conta no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Depois de tantos anos com a carteira assinada e trabalhando duro, estava desamparado. Mariana, mãe de dois filhos pequenos e vivendo na casa de parentes, viu o sonho da casa própria mais distante por não ter os recursos necessários para dar entrada em um apartamento: seu saldo no Fundo não estava disponível.

Os nomes são fictícios, mas os casos são reais e retratam a situação de milhares de brasileiros que aderiram à antecipação do saque aniversário do FGTS por meio de operações de empréstimo consignado, modalidade que cresce vertiginosamente no país como mecanismo para estimular o consumo e oferecer crédito para o cidadão. Desde sua implantação, em abril de 2020, 36,8 milhões de trabalhadores usaram o saque aniversário e sua antecipação, movimentando R$ 141,9 bilhões até dezembro de 2024.

Chama atenção o fato de mais da metade desses recursos ter sido injetada no sistema financeiro: R$ 76,8 bilhões foram pagos aos bancos. Um trabalhador que decida antecipar e sacar R$ 10 mil do seu saldo, o equivalente a cinco anos, a uma taxa de 1,79%, recebe, em média, R$ 5,3 mil e entrega ao banco cerca de R$ 4,6 mil em taxa de juros. Em outra estimativa, um trabalhador que saque R$ 100 mil, uma antecipação de 11 anos, também a uma taxa de 1,79%, recebe cerca de R$ 26,6 mil e deixa com o banco cerca de R$ 73,3 mil. É bom lembrar que o saldo depositado no FGTS é atualizado pelo IPCA, indicador oficial da inflação no país, repondo eventuais perdas.

Hoje, o saque aniversário é a segunda principal modalidade de uso do FGTS e representa 29% do total de recursos movimentados pelo Fundo. Mas nesta operação quem perde é o trabalhador: dados oficiais mostram que, desde 2020, mais de R$ 70 bilhões não puderam ser sacados por trabalhadores dispensados sem justa causa que aderiram à antecipação do saque aniversário. Quem opta por essa modalidade e é demitido retira apenas o valor da multa rescisória de 40% sobre o saldo da conta do FGTS. Hoje, cerca de 35 milhões de pessoas estão impedidas de acessar o valor total de suas contas.

Em outro campo, a antecipação do saque aniversário já compromete o investimento em habitação e infraestrutura, segmentos em que o Brasil carrega demanda reprimida e resiliente. No caso da moradia, por exemplo, temos um déficit habitacional de 7 milhões de unidades, especialmente para a população de baixa renda. Mecanismo que facilita o acesso à casa própria para esse público, o FGTS é essencial não apenas para financiar a produção, como também para o pagamento da entrada, no momento da aquisição. Sem seus recursos, o comprador é obrigado a adiar o sonho da casa própria.

Ao longo desses anos, aplicados em habitação os recursos atrelados ao saque aniversário e sua antecipação teriam construído 2 milhões de novas moradias e gerado cerca de 6 milhões de empregos novos com carteira assinada. Emprego e renda aquecem a economia de forma sustentada, o emprego formal realimenta o próprio FGTS garantindo segurança para o trabalhador em momentos como o desemprego. A habitação tira da precariedade e da insegurança milhões de brasileiros que precisam de moradia digna.

Na infraestrutura, ainda que tenha havido avanços, o Brasil ainda precisaria ampliar em R$ 200 bilhões anuais a destinação de recursos para estabelecer competitividade à economia e democratizar serviços essenciais a uma parcela significativa da população, como o saneamento.

O Brasil abre 2025 encarando desafios novos na economia, em que o aumento das taxas de juros deve tornar o crédito mais escasso e caro, impactando diretamente a tomada de decisão por novos investimentos. Contar com fontes de financiamento confiáveis é essencial para a atividade do setor da construção, cujo ciclo de produção é longo e requer previsibilidade.

É tempo de refletir sobre o uso do FGTS e resgatar seu papel estratégico, sua missão de fomentar o desenvolvimento: injetado no consumo e gerando endividamento, esse dinheiro não produz patrimônio, crescimento nem segurança. O saque aniversário e sua antecipação prejudicam exatamente a quem o Fundo deve proteger e adia ações que podem mudar o futuro do país: o FGTS traz qualidade de vida para o cidadão e desenvolvimento para o Brasil. É preciso preservá-lo.