Bancos liberam R$ 22,8 bilhões para a compra de imóvel nos primeiros nove meses do ano, mas expectativa é saber como a construção civil reagirá em 2009 diante da turbulência global Humberto Siqueira A crise que atinge a economia global começou justamente no mercado imobiliário dos Estados Unidos, por conta do excesso de crédito concedido sem critérios adequados, o que levou vários bancos à bancarrota. No Brasil, este ano está sendo bom para o setor. Os três primeiros semestres já têm números melhores em relação a 2007 inteiro. Os bancos emprestaram como nunca para a compra de imóvel. A expectativa, no entanto, com os problemas na economia mundial, é saber como a construção civil reagirá em 2009. Dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) apontam um volume de contratações no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) de R$ 2,94 bilhões em setembro, elevando para R$ 22,8 bilhões o montante contratado nos primeiros nove meses deste ano. Esse total supera em 89,3% o volume contratado no mesmo período de 2007. Considerando os 12 meses entre outubro de 2007 e setembro de 2008, o volume atingiu R$ 29,04 bilhões, superando em 98,1% o resultado dos 12 meses terminados em setembro de 2007. Ou seja, quase dobrou. Em termos de unidades, os resultados também vêm sendo bastante positivos. Em setembro, foram financiadas cerca de 29,4 mil, correspondendo a um acréscimo de 64,5% em relação a setembro do ano passado. Nos nove primeiros meses de 2008 o número atingiu 227,2 mil unidades ou 68,2% a mais do que o observado entre janeiro e setembro de 2007. No período de 12 meses terminados em setembro, o total de unidades financiadas ultrapassou 288 mil, superando em cerca de 73% o desempenho dos 12 meses terminados em setembro de 2007. RECURSOS DA POUPANÇA A captação de recursos por intermédio das contas de poupança teve em setembro comportamento semelhante ao apresentado nos dois meses anteriores, com os depósitos superando os saques em pouco mais de R$ 1,7 bilhão. Com esse resultado, o montante captado nos primeiros nove meses do ano totalizou R$ 7,77 bilhões e o saldo global das contas atingiu R$ 205,3 bilhões. A Caixa Econômica Federal, líder em financiamento habitacional, bateu recorde de concessão de crédito com recursos da poupança este ano. Até outubro, foram emprestados mais de R$ 8 bilhões. Montante 69,3% superior ao registrado no mesmo período do ano passado, quando a instituição investiu R$ 4,7 bilhões. O valor até o fim de outubro de 2008 já é, inclusive, superior em 36,8% sobre o valor aplicado durante todo o exercício de 2007 (R$ 5,8 bilhões). A expectativa é fechar o ano com R$ 9,15 bilhões. Em números, representa 148.111 unidades, mais de 601 mil pessoas beneficiadas e 766 mil empregos gerados. Essa é a maior contratação habitacional desta década com recursos da poupança do banco. Torneira aberta nos bancos Instituições financeiras mantêm linhas de crédito para compra de imóvel, mesmo com o acirramento da turbulência econômica. Mas construção civil já vê retração do mercado Empréstimos com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) também cresceram na Caixa Econômica Federal (CEF). A instituição já aplicou R$ 9,3 bilhões nos nove primeiros meses deste ano, contra R$ 5,7 bilhões no mesmo período do ano passado. Foram financiadas 228.833 unidades. Segundo o superintendente regional do banco, Dimas Lamounier, existe muita especulação por conta dos reflexos da crise. “Na economia real, no movimento das agências, não vejo tanta retração. Os recursos de poupança e FGTS continuam a ser contratados. Se você abrir os classificados do jornal, vai ver ainda mais anúncios do que há seis meses”, avalia. “Dos R$ 8 bilhões contratados no Brasil, Minas foi responsável por R$ 2 bilhões. Estamos otimistas com relação à crise. Não alteramos as condições e exigências para oferecer o financiamento. Tampouco a taxa de juros.” Segundo ele, as regras estão boas para os consumidores. “Há crescimento de empregos formais e, conseqüentemente, mais gente com poder de compra e maior captação de FGTS. Dinheiro que será aplicado, em parte, no crédito imobiliário. O mesmo se pode dizer sobre a poupança. A CEF, por exemplo, está com captação positiva. Há mais depósitos do que saques, e os banco são obrigados a aplicar 65% dos recursos da poupança em habitação. Em 2009, quem precisar de crédito vai encontrar. Esse não será um freio de mão para o desenvolvimento da construção civil. Até porque, muitas pessoas, em momentos de incerteza, recorrem ao mercado imobiliário como um porto seguro”, garante. O financiamento imobiliário foi um dos destaques da carteira de crédito de pessoa física do grupo Santander Brasil nos primeiros nove meses deste ano, com R$ 4,18 bilhões. Crescimento de 32,3%, comparado com o mesmo período do ano passado. O banco também não alterou exigências e condições para conceder o crédito. O Bradesco é outra instituição que apresentou aumento no volume destinado ao financiamento. O total de recursos liberados pelo banco em 2006 somou R$ 2,12 bilhões, o que representou 22,3% de market share e ao financiamento de 19.358 imóveis. Em 2007, o total de recursos liberados somou R$ 4,08 bilhões ou 22,1% de market share. Esse volume correspondeu ao financiamento de 33.718 imóveis. Até o terceiro trimestre de 2008 já havia concedido R$ 4,8 bilhões em crédito imobiliário, o que corresponde ao financiamento de 14.515 imóveis. A previsão do Bradesco é encerrar 2008 com a marca dos R$ 5,7 bilhões. Considerando apenas os números do Itaú até o fim do terceiro trimestre deste ano, já que a instituição se fundiu com o Unibanco, a carteira de crédito de financiamento imobiliário ficou em R$ 3,5 bilhões, com crescimento de 44,9% em relação ao mesmo período do ano passado. EXPECTATIVA Apesar dos bons números de 2008, o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Walter Bernardes de Castro, já vê uma retração no mercado. “Graças ao crédito habitacional a construção civil conseguiu reagir nos últimos anos. A compra de imóvel é um investimento alto e depende muito do financiamento. Com a crise mudou tudo. Os compradores estão um pouco arredios, aguardando melhor definição do cenário econômico mundial”, pondera. Para ele, as linhas de crédito para capital de giro que o governo abriu facilitaram a compra de imóvel. Mas outras medidas precisam ser implementadas de fato. “Seria ótimo se o INSS realmente liberasse a Certidão Negativa de Débito em 10 dias, como manda a lei. Na realidade, leva de 45 a 60 dias. Trata-se de um documento fundamental para uma obra ser financiada ao consumidor final. Isso complica muito o caixa das empresas”, reclama. Sobre a expectativa para 2009, ele reconhece que já seria de ótimo tamanho se o setor da construção civil conseguisse manter os números deste ano. “Essa é a esperança. Mas, avaliando friamente, devo reconhecer que será difícil. Quem sabe da mesma forma que a crise chegou repentinamente, não se vai com a mesma velocidade. Tudo está mudando tão rápido. Há seis meses o barril do Petróleo estava custando US$ 140, agora caiu para US$ 50”, compara ele.