Ana Paula Lima Repórter A crise financeira global força uma revisão nos planos de construtoras mineiras. Cautelosos, empresários do ramo da habitação começam a adiar lançamentos, à espera de uma calmaria que possa colocar a casa em ordem. Um dos temores é de que compradores de imóveis desapareçam diante de um cenário econômico tão instável. Mas também há empresas que, depois de apostar papéis na Bolsa, amargam prejuízos e simplesmente viram a fonte de recursos para novos projetos secar. Em Minas Gerais, o Sindicato do Mercado Imobiliário (Secovi-MG) estima que 20% dos empreendimentos residenciais previstos para o fim deste ano e 2009 sejam engavetados. A previsão é do vice-presidente de Incorporadoras e Construtoras da Câmara do Mercado Imobiliário (CMI/Secovi-MG), João Henrique Garcia. Segundo ele, cerca de 30 projetos de 20 construtoras, nos padrões popular, médio e luxo, foram suspensos devido à turbulência internacional, somente em Belo Horizonte e arredores. “Muitos estavam prontos para serem colocados no mercado em outubro e novembro, mas tiveram que ser abortados”, diz. No Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, empresários voltaram atrás até em empreendimentos já lançados, que estavam com a publicidade pronta e unidades à venda. “Funcionários ligaram para quem tinha comprado os imóveis para desfazer o negócio e devolver o dinheiro”, conta Garcia. Na raiz do problema está a incerteza generalizada quanto aos rumos e a duração da crise. Desconfiados, bancos reduziram a oferta de crédito às construtoras, que usavam o dinheiro para tocar obras. Também encareceram os financiamentos. Em outra frente, a velocidade das vendas vem diminuindo, devido à desconfiança dos compradores em relação aos impactos do caos estrangeiro sobre a economia brasileira. “O setor esperava uma queda nas vendas, porque o mercado imobiliário é finito e viveu um boom nos últimos 18 meses. Mas a crise agravou o quadro”, diz o vice-presidente do Secovi-MG. A comercialização de apartamentos já caiu cerca de 30% na capital, afetando principalmente imóveis de luxo. Mas não só eles. Segundo Garcia, 1.200 nomes estavam na lista de reserva de um empreendimento no Bairro Buritis (Região Oeste), com 300 apartamentos de padrão médio, área de lazer, piscina e cascata. Após o lançamento, há 20 dias, apenas 53 contratos foram assinados. “Frustrou em muito a expectativa”. Mas o balde de água fria sobre as construtoras veio também da Bolsa de Valores. Aquelas que têm capital aberto estão sujeitas às oscilações do mercado e, nas últimas semanas, vêm encarando uma série de prejuízos. O problema é que as empresas apostavam na valorização dos papéis para ter lucro e conseguir recursos para erguer os espigões. Agora, muitas têm terrenos para as obras, mas não verba suficiente para levantá-las. Terão que esperar a recuperação do mercado, para alavancar os recursos e retomar os planos. O impacto não se restringe a Minas. “As empresas que foram à Bolsa estavam de olho no mercado futuro imobiliário, que deveria começar a funcionar no ano que vem. Mas tudo mudou e a desaceleração no setor já está acontecendo”, afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBCI), Paulo Safady Simão. Segundo ele, a tendência é as construtoras adiarem os lançamentos à espera de um quadro mais favorável, mas obras em andamento não vão parar. Já o preço dos imóveis pode estabilizar, depois da recente disparada. “Com a demanda desaquecida, o custo dos materiais de construção vai cair. E o valor dos terrenos pode começar a reduzir, porque eles vão perder a liquidez”. Para o diretor de incorporação da Líder-Cyrela, Dennyson Porto, se a crise persistir é possível até que os terrenos voltem a ser adquiridos por meio de permuta. No sistema, o dono do lote ganha unidades do futuro prédio, em troca da área para construção. Mas o modelo praticamente desapareceu com a supervalorização dos lotes, devido ao mercado a todo vapor. A própria Líder-Cyrela revisou o calendário de lançamentos. A apresentação de um empreendimento de R$ 40 milhões, na Região Centro-Sul de BH, que deveria acontecer em novembro, foi transferida para daqui a cinco meses. “Não estamos recuando no projeto, mas a cautela é geral. Até fevereiro, teremos um raio-X mais claro da situação”, diz Dennyson. Todas as plantas previstas para 2009 – R$ 500 milhões em investimentos – estão mantidas. Na Habitare, os planos não mudaram. Somente 10% do capital da construtora vem de financiamentos bancários. O restante é capital próprio e, por isso, o diretor-superintendente, Alexandre Soares, confirma a intenção de lançar 11 empreendimentos em 2009. “Nós praticamente não usávamos dinheiro do banco, mesmo quando era barato. Agora que está caro, então, não vamos procurar mesmo”. Apesar do cenário obscuro, o vice-presidente do Secovi-MG acredita que a incerteza no setor só vai durar o tempo da crise. E reafirma que imóveis são boa opção para investidores. “Não são bens virtuais, mas palpáveis, seguros”, diz João Henrique Garcia. Já o superintendente regional da Caixa, Dimas Lamounier, garante que não faltam recursos para financiar construções, e que o orçamento para o ano que vem não deve ser reduzido. “Um dos pilares do Governo federal é gerar emprego e renda, e o setor que mais faz isso é a construção civil”, alega. Crise freia projetos de usinas O empresário e diretor do Grupo Balbo, Jairo Balbo, afirmou ontem que a crise mundial chega num momento delicado para o setor sucroalcooleiro brasileiro e vai frear os novos projetos de usinas no país. “Muitas usinas não irão sequer sair do papel”, disse. A companhia tem duas unidades em Sertãozinho (SP) e uma nova no Triângulo Mineiro. A tecnologia aplicada às lavouras de cana-de-açúcar também deve reduzir, com conseqüente perda de produtividade. “Muita gente vai deixar de adubar”, disse. Os dois efeitos, no entanto, devem impactar a oferta do açúcar e do álcool e trazer preços remuneradores ao setor produtivo. “Os preços ruins das duas últimas safras podem melhorar e dar uma liquidez aos produtores”, previu. Cimento O aumento do preço do cimento neste mês em 6,67% eleva o custo da construção, que supera os 10% no ano. O Custo Unitário Básico da Construção Civil (CUB Representativo), calculado pelo Sinduscon-Rio, subiu 0,76% em setembro e atingiu a marca de 10,03% em 2008. A alta do dólar e a menor oferta de crédito para financiar as importações do grão podem elevar os preços da farinha de trigo no curto prazo, mas a tendência é de que depois recuem, já que as cotações do cereal estão em queda no mercado mundial. A afirmação é do presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Sergio Amaral, que ontem analisou os impactos da crise financeira internacional no setor moageiro.