No país, 11 milhões de domicílios têm ausência de serviços básicos Helenice Laguardia O déficit habitacional,que mede a necessidade de novas moradias, vem diminuindo em Minas Gerais e no Brasil, durante a última década. A queda é verificada no estudo “Déficit Habitacional no Brasil 2006”, da Fundação João Pinheiro (FJP), em parceria com o Ministério das Cidades e outros órgãos, divulgada ontem. A fartura de crédito somada às políticas de habitação contribuiram para amenizar o problema. Mas a falta de casa própria está crescendo em números absolutos. Em Minas, com população de 19,5 milhões de habitantes, o déficit foi de 721 mil domicílios em 2006, frente aos 641 mil em 2000. As habitações precárias (construções sem parede de alvenaria, de lona ou improvisadas) além de moradores de rua, representaram 5,6% do total do déficit habitacional em Minas Gerais. Quem mora de aluguel está em 31% do déficit habitacional do Estado e domicílios que têm mais de uma família são 63% . “Os domicílios crescem mais rápido do que o déficit, com oferta maior de construções, o déficit está diminuindo mais rapidamente”, avalia a coordenadora da pesquisa da Fundação João Pinheiro, Maria Bernadete Araújo. Única opção Aluguel é considerado na conta A estudante universitária Jaqueline Soares, 22, paga aluguel há quatro anos. Nascida em Bom Viçoso, no Sul de Minas Gerais, a estudante é mais uma no déficit habitacional, dividindo as despesas com mais duas amigas, em Belo Horizonte. Moradora de um apartamento de três quartos, no Bairro Caiçara. o prédio é considerado um dos mais antigos da região. “Só de aluguel pago R$ 360, para um apartamento pequeno e sem garagem, valorizado porque está perto da faculdade”, reclama. Com dois estágios de R$ 250 cada um, a estudante se ampara na ajuda paterna para financiar o sonho da capital. “Meus pais pagam a maior parte das despesas que chegam a R$ 1.000 mensais”, calcula. A faculdade termina este ano, mas a casa própria, Jaqueline Soares acredita demorar um bom tempo para conseguir. “É complicado, daqui há seis anos”. (HL) Dois reflexos MIRIAM LEITÃO miriamleitao@oglobo.com.br Reflexos da crise externa aparecem diariamente no mundo empresarial. A Votorantim eliminou suas operações de risco cambial, mas como comprou o controle da Aracruz, está tendo um prejuízo duplo. A Arcellor Mittal está no começo de uma guerra comercial com a Vale. O consumo já está sentindo os efeitos da crise. Segundo uma pesquisa da Nielsen, o consumo começa a parar de crescer. A Votorantim, como se sabe, perdeu R$ 2,2 bi no mercado de câmbio, e a Aracruz perdeu R$ 2 bi. O pior não é isso: é que há uma espécie de fusão dos vermelhos. A Votorantim Celulose e Papel comprou o controle da Aracruz Celulose. A opção de compra foi feita quando a família Lorentzen quis deixar o negócio. Isso faz com que a Votorantim esteja perdendo duplamente. E a conta do estrago pode ser maior, dependendo do preço que a VCP aceitou pagar pelas ações da Aracruz, que despencaram nos últimos dias. A Votorantim está cancelando investimentos. Um deles é a participação na licitação para o terminal de Itaguaí. A Arcellor Mittal, maior cliente da Vale, está começando a se indispor com sua fornecedora pelo preço, com quem havia assinado um contrato de fornecimento de 30 anos. A empresa quer um desconto na venda do minério de ferro, que no mercado se calcula em 60%, percentual pouco menor do que o do reajuste que a Arcellor aceitou pagar este ano pelo minério. Só que eram outros tempos. Com a crise mundial, a empresa está querendo desconto. A direção da Vale nega que haja reabertura de negociação, mas está começando uma guerra comercial. No mercado, se conta que um navio com minério da Vale partiu do Brasil para ser entregue à empresa indiano-européia, mas não se sabe se poderá desembarcar quando chegar no destino. A Vale informa que não tem conhecimento desses eventos. Ela é uma das maiores exportadoras do Brasil, mas garante que não tem qualquer problema com derivativo cambial. Argumenta que é, na verdade, fornecedora de dólar ao sistema, porque tinha feito uma operação de captação em junho, exatamente antes do agravamento da crise, na qual acumulou US$ 12,5 bi. Bom momento para ter dólar em caixa. Há riscos de novas empresas aparecerem com problemas, porque os derivativos cambiais tinham vários períodos de vencimento. Nos próximos meses vão ocorrer outros vencimentos destas opções cambiais. Algumas empresas estão negociando com seus bancos, outras estão procurando advogados para pressionar os bancos. O empresário rural Luiz Hafers, diretor de café da Sociedade Rural Brasileira, disse que o Banco Central tem que continuar vendendo reservas para evitar que o dólar suba muito. “Eu não estou encrencado com o dólar, mas muita gente está. Depois de passado este problema, o dólar voltará a cair, não voltará? Aí o Banco Central poderá recomprar os dólares. As exportações estavam um colosso até o mês passado, agora engasgou tudo por causa da falta de ACC”, disse. As empresas têm dificuldade de exportar por falta de financiamento, e começam a ver se enfraquecer o mercado interno. O consumo está no meio do caminho, entre um período de forte crescimento e o atual, de incerteza. Até agosto, há dados que mostram dois momentos. O primeiro, em que diversos setores cresceram, principalmente os ligados a aumento de renda e concessão de crédito. O segundo é que, com a crise, falta crédito, as pessoas ficam mais seletivas na hora de comprar. A pesquisa da Nielsen mostra que, de janeiro a agosto de 2008, o consumo cresceu 0,3% em relação ao mesmo período de 2007. Ou seja, não cresceu. E só não ficou negativo por causa dos setores de bebidas alcoólicas e não-alcoólicas, que cresceram 4,3% e 2,8%, respectivamente. Todas as outras categorias tiveram queda. Higiene, saúde e beleza: -2,5%; limpeza: -0,3%; mercearia doce: -2%; mercearia salgada: -0,9%; perecíveis: -0,3%. A cesta básica teve queda no volume de vendas, de 2%. “O cenário que vem pela frente é mais complexo. Não se pode reduzir a um único caminho. Primeiro, o consumidor migra para produtos mais baratos. Depois, deixa de consumir supérfluos. O impacto não deve ser sentido no curto prazo. A alimentação básica não depende muito do crédito e deve continuar sendo consumida”, disse Filipe Aboláfio, coordenador de Pesquisas Especiais da Nielsen. Nos últimos meses, o país viveu um surto de alta de preços de alimentos. Os dados mostram que, mesmo naquela época, antes do atual agravamento da crise, o consumidor foi sensível a preço. Os produtos que mais subiram de preço tiveram maior queda nas vendas: farinha de trigo subiu 19% e perdeu, em vendas, 7,3%; massa alimentícia subiu 10,1% e perdeu 4%; arroz subiu 11,4% e perdeu 4,8%; leite em pó subiu 33,5% e caiu 10,8% em vendas. O surto de crescimento recente da economia brasileira foi puxado pelo consumo de computadores, automóveis e todos os outros bens que dependem do crédito. Mas é neste ponto que bate a crise, porque ela eleva os juros, reduz o crédito e aumenta o medo do consumidor. O setor de eletroeletrônicos já prevê menos vendas neste ano e pelo menos uma queda de 10% nas encomendas em outubro sobre setembro. A crise já chegou às grandes empresas e começa a ser sentida na ponta do consumo.