Augusto Franco REPÓRTER Quinze anos depois do lançamento do selo do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) do Governo federal, que atesta a eficiência no consumo de energia de eletrodomésticos, chegou a vez dos edifícios serem “etiquetados”. Para serem dignas de ostentarem uma nota “A”, que identifica o máximo rendimento com o mínimo consumo de energia, no entanto, as novas construções deverão contar com projeto que utilize iluminação e ventilação naturais, aquecimento solar e materiais ambientalmente corretos, capazes de isolar calor e frio, diminuindo a necessidade de ar condicionado ou aquecimento. Ou seja, não basta usar fontes verdes e renováveis; é preciso também economizar. O selo deve chegar ao mercado de edifícios comerciais até o final deste ano, e no ano que vem para unidades residenciais. A iniciativa é do Ministério de Minas e Energia (MME), que, com o apoio de agências especializadas na redução do consumo, como o Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (Cepel), do Rio de Janeiro, elaborou as normas. “No primeiro momento, o selo será apenas uma referência para o consumidor, e ferramenta de marketing das empresas. Mas será uma referência forte, uma vez que a escolha do imóvel é uma decisão para muito tempo. Acredito que, em um futuro próximo, prefeituras e estados possam implantar políticas públicas para incentivar os construtores e moradores com base no selo”, destaca o coordenador do Centro de Aplicação de Tecnologias Eficientes do Cepel, João Carlos Rodrigues Aguiar. De acordo com o pesquisador, a nova referência será mais uma ferramenta para colocar a população em estado de alerta constante no que diz respeito à redução do consumo de energia. “Em 2001, com o apagão, tivemos uma queda extraordinária no consumo residencial. Com o bom momento da economia, estamos quase atingindo o patamar pré-apagão, mesmo com algumas ações sendo mantidas”, destaca. O pesquisador cita como bom exemplo as lâmpadas fluorescentes. Em 1988, a proporção nas residências era de uma fluorescente para cada dez incandescentes, que consomem quase quatro vezes mais. Atualmente, a proporção é de igualdade. De acordo com levantamento do Cepel feito em dezembro, cada casa do país tem em média quatro lâmpadas de cada. Outra medida relativamente simples mas bastante eficiente para as residências é a troca de refrigeradores e chuveiros, responsáveis, na média, por cerca de 70% do consumo doméstico de energia. Segundo informações do Procel, entre 1999 e 2006, a média de consumo de geladeiras novas de uma porta caiu de 35 quilowatts-hora (kWh) por mês para 22,6 kWh por mês. Ou seja, uma geladeira do mesmo tamanho e da mesma marca produzida no ano passado consumia 35% a menos que a de 1999. No caso do chuveiro, uma invenção mineira começa a se firmar como opção para o resto do país. Trata-se de um chuveiro acompanhado de um tapete feito com uma serpentina, sistema relativamente simples e barato, batizada Rewatt. A invenção aproveita, através de um sistema de canos de alumínio, o calor da água que já caiu do chuveiro para aquecer parcialmente a água fria que ainda vai ser utilizada. O resultado é que o equipamento já recebe a água a 28 graus, o que reduz a energia necessária para elevar a temperatura de 15 para 40 graus. Ou seja, o chuveiro de 4.600 watts pode ser substituído por um outro, de 2 mil watts. Mesmo com menor potência no chuveiro, o consumidor terá um banho com água quente e um consumo de energia elétrica 45% menor, que no final do mês reduz, em média, 30% no valor da conta. O inventor do sistema é o técnico em edificações Geraldo Magalhães, que, como não poderia deixar de ser, teve a idéia durante um banho, há dez anos. Depois de oito anos de pesquisas com materiais, testes de fornecedores e de design, começou a fornecer para a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), dentro do programa de eficiência energética da empresa, voltado para classes populares por determinação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No ano passado, 5 mil casas construídas pela Cohab no Estado foram entregues com o aparelho. Neste ano, o invento também será utilizado por concessionárias do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em escolas e casas populares, e as encomendas já chegam a 10 mil unidades. A fábrica funciona no Bairro Carlos Prates, no mesmo galpão onde está a loja. Os chuveiros são vendidos por R$ 350, e a instalação sai por R$ 30 para quem desejar. “É um sistema simples, que não precisa de obra nenhuma e é instalado em 15 minutos, como qualquer outro”, garante. Segundo a coordenadora da Grupo de Estudos em Energia Solar (Green), Elizabeth Marques Pereira, outra vertente para redução do uso de energia elétrica em Minas é o uso da energia solar. O grupo de estudos, ligado à PUC Minas, conta com colaboração de professores e alunos do Centro Federal de Tecnologia (Cefet), e desenvolve, com apoio da Cemig, projetos de pesquisa e novos materiais para ampliar o uso da energia solar no Estado. “Até o início da década, eram projetos isolados. Desde 2004, a instalação dos painéis em casas populares tornou-se uma política pública, e isso foi um divisor de águas”, afirma. Entre 2004 e o ano passado, foram construídas pela Cohab 6 mil casas com sistema de aquecimento solar. A estimativa para este ano é que o número chegue a 13 mil. Além disso, destaca a professora, nos dois últimos anos o uso de energia solar se tornou também febre entre os novos condomínios de luxo erguidos na capital. “BH se tornou um case mundial, apresentado inclusive na Alemanha, referência em energia elétrica. Só nos últimos dois anos foram erguidos dois mil prédios com aquecimento central solar, um exemplo”, destaca. Empresas aproveitam resíduos na geração O aumento do custo da energia tornou fundamental a busca por soluções que reduzam o consumo e a fatura mensal das empresas. O movimento pode ser observado em empresas privadas e estatais, passando por siderúrgicas, destilarias de álcool e açúcar e companhias de saneamento. O objetivo é baixar para zero contas mensais que ficavam em R$ 450 mil. É o caso da Siderúrgica Alterosa, em Pará de Minas. A empresa é uma das quatro do Estado que conta com uma pequena usina movida pelo gás de alto-forno (GAF), gerado durante a redução do minério de ferro com carvão vegetal na produção do ferro-gusa. O rejeito dessa fusão é um gás altamente tóxico e rico em dióxido de carbono. Depois do projeto, a indústria trocou os filtros – que não tinham 100% de eficiência – por um duto, que leva o gás para outra caldeira. Lá, o que era rejeito é ainda mais aquecido e transformado em vapor de alta pressão. Depois, movimenta uma turbina magnetizada, gerando energia elétrica que é utilizada para todos os processos da fábrica, inclusive a geração de mais energia. “Com o início das atividades, em dois meses, vamos reduzir a zero nosso consumo de eletricidade vinda de fora. Além disso, vamos vender os créditos de carbono por tirar o gás poluente da atmosfera. É o famoso ganha-ganha”, afirma o engenheiro Rogério Valadares, diretor de manutenção da siderúrgica. Os créditos de carbono são gerados por empresas de países em desenvolvimento que assinaram o Protocolo de Kyoto, da Organização das Nações Unidas (ONU). Em geral, compram créditos de carbono empresas de países desenvolvidos que não podem reduzir emissões de gases de efeito estufa sem afetar seu processo produtivo, em um mecanismo que compensa a poluição gerada. Segundo o gerente Comercial e de Serviços da Efficientia, empresa de eficiência energética da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Ricardo Cerqueira, uma das características do projeto é que o excedente de produção é vendido para a concessionária, que injeta a energia na rede pública. O resultado disso é que o investimento de R$ 15 milhões se paga e começa a dar retorno para a Cemig em 60 meses. Desde junho do ano passado, quatro siderúrgicas no Estado receberam usinas, e outras duas, além de duas destilarias sucroalcooleiras, ambas no Triângulo Mineiro, terão suas geradoras até o final do ano. “O capital é da própria Cemig, que tem que investir 0,5% dos lucros anuais em projetos ecologicamente corretos, e outros 0,5% em projetos de cunho social”, destaca Cerqueira. Segundo o diretor financeiro da Copasa, Ricardo Augusto Simões Campos, este é o tipo de solução que a empresa procura. Atualmente, segundo balanço divulgado em abril, 16,1% dos gastos da empresa são referentes ao consumo de energia elétrica. “Estamos estudando soluções já disponíveis no mercado para aproveitarmos o gás metano produzido nas estações de tratamento de esgoto e microturbinas nas saídas dos reservatórios. A idéia é que pelo menos estas unidades sejam energeticamente auto-sustentáveis”, destaca. ENERGIA CONSERVADA Confira os números do Procel e entenda como vai funcionar o novo selo ECONOMIA COM O PROGRAMA Período – Energia Economizada (GW/h por ano) – Redução de demanda na ponta (MW) 1986/2003 – 17.222 – 4,633 2004 – 2.373 – 622 2005 – 2.158 – 585 2006 – 2.845 – 772 2007 – 3.000 – 815 SELO PARA PRÉDIOS – O que é: A exemplo do que já ocorre com eletrodomésticos, com notas de A a E, o novo selo vai certificar projetos que prevêem redução de consumo e uso de energias alternativas Será concedido, no primeiro momento, a edifícios comerciais e depois, residenciais – O que será avaliado Climatização: eficiência do ar-condicionado, uso alternativas como aquecimento solar da água Iluminação: tamanho das janelas, material e cor dos vidros, entrada de luz nos ambientes Envoltório: uso de materiais isolantes em paredes, telhados, portas e janelas, que tornem desnecessário o uso de ar-condicionado ou aquecimento – Quem avalia Os projetos serão avaliados por laboratórios credenciados pelo Procel A adoção do selo é opcional e, assim como nos eletrodomésticos, em um primeiro momento, ele será usado para auxiliar a escolha do consumidor O QUE É O PROCEL O Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) foi criado pelo Governo federal em 1985. É executado pela Eletrobrás, com recursos da empresa, da Reserva Global de Reversão (RGR) e de entidades internacionais. OS NÚMEROS DO PROCEL – 22 bilhões de quilowatt/hora (kW/h) foi o total de energia economizada por meio do Procel nos seus 22 anos – A energia economizada no período equivale ao consumo do Estado da Bahia ou a cerca de 13 milhões de residências durante um ano – R$ 855 milhões é o total investido pelo Procel desde a sua criação – R$ 15 bilhões é a economia estimada em obras no setor elétrico, como construção de usinas hidrelétricas ou termelétricas evitadas por meio dos programas do Procel. Fontes: Ministério das Minas e Energia, Procel, Cepel