Fonte: Câmara Municipal de BH / Foto: Karoline Barreto
O Plano Diretor de Belo Horizonte, instituído pela Lei 11.181/2019, entrou em vigência plena no último dia 5 de fevereiro, com o fim de suas regras de transição. No contexto dessas mudanças, o Executivo enviou para apreciação dos vereadores o Projeto de Lei 508/2023, que detalha normas aplicáveis ao uso de instrumentos previstos no Plano Diretor, como por exemplo a Outorga Onerosa do Direito de Construir, alinhando seus valores àqueles praticados pelo mercado. Os impactos do projeto estiveram em debate em audiência pública realizada nesta segunda (20/3), pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana, por requerimento da vereadora Marcela Trópia (Novo). Segundo a Secretaria Municipal de Política Urbana, as mudanças propostas buscam facilitar a arrecadação e viabilizar a construção de mais moradias populares. Representantes do mercado imobiliário e do setor construtivo defenderam a redução de custos para estimular o aquecimento do mercado.
O Plano Diretor tem sido foco de acalorados debates entre diferentes setores da sociedade civil. Uma de suas inovações mais polêmicas diz respeito à redução do potencial construtivo dos terrenos. Segundo o texto, exceto nas áreas de proteção ambiental, passa a valer, em toda a cidade, o coeficiente básico único unitário, que permite que as edificações tenham a mesma metragem do terreno em que se situam. Construções que extrapolem esse limite só podem ser realizadas mediante o acesso a instrumentos como a Transferência do Direito de Construir (permissão dada ao proprietário de um imóvel para transferir seu potencial construtivo não utilizado a outro imóvel) ou a Outorga Onerosa do Direito de Construir (pagamento de contrapartida financeira ao Município). No termos da legislação em vigor, parte dos recursos advindos do pagamento da outorga onerosa são investidos na construção de habitações de interesse social.
Mais moradias populares
Segundo o secretário municipal de Política Urbana de Belo Horizonte, João Antônio Fleury, um dos objetivos do PL 508/2023 é adequar aos valores de mercado o preço da Outorga Onerosa do Direito Construir. Atualmente, como os custos dos títulos de outorga são elevados, os empreendedores acabam optando por adquirir potencial construtivo adicional por meio de Transferência do Direito de Construir, transação realizada entre agentes privados, que não se reverte na arrecadação de fundos para o Município.
Segundo o secretário, desde novembro de 2019, a emissão de títulos de Transferência de Direito de Construir movimentou cerca de R$ 270 milhões. Já o pagamento de Outorga do Direito de Construir levou a arrecadação de menos de R$ 2 milhões pela Prefeitura. Com a diminuição do preço da outorga, conforme proposto no projeto, a ideia é tornar o mecanismo mais atraente para o empreendedor, favorecendo, por conseguinte, a entrada de recurso nos cofres públicos para financiar a construção de moradias populares.
Outra mudança sugerida pelo projeto é que, nas porções do território para onde se pretende direcionar maior adensamento construtivo e populacional, como as zonas de ocupação preferencial e as centralidades regionais, 30% da área que exceder o potencial básico de construção seja adquirida, necessariamente, mediante pagamento de Outorga Onerosa do Direito de Construir. Além disso, segundo o texto, fica permitido o parcelamento, em até 36 vezes, dos valores a serem pagos por esses títulos, bem como se autoriza a concessão de desconto para pagamento à vista.
Setor imobiliário
Agentes do setor imobiliário e da construção civil elogiaram o projeto, afirmando que ele contribui para desfazer distorções trazidas pelo Plano Diretor, que encarecem empreendimentos em Belo Horizonte e tornam mais vantajosa sua realização em outros municípios da Região Metropolitana.
Segundo Renato Michel, representante do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), nos atuais termos do Plano Diretor, a construção de um apartamento de 100m² na Savassi exige o pagamento de R$ 470 mil apenas em outorga onerosa, o que encarece o preço do imóvel para o consumidor final. Diante disso, ele classificou como uma novidade bem-vinda o realinhamento proposto pelo projeto do Executivo, uma vez que a revisão nas regras de cálculo da outorga onerosa pode baratear os custos de construção, contribuindo para aquecer o mercado imobiliário e para a geração de mais trabalho e renda.
Ponto de vista semelhante foi defendido pelos vereadores Braulio Lara (Novo) e Marcela Trópia. Requerente a audiência, ela classificou o atual Plano Diretor como um atraso para a cidade, defendendo a revisão do mecanismo da outorga onerosa, de forma a estimular o adensamento das porções centrais de BH, garantindo que as pessoas possam viver mais perto do trabalho, em um centro dinâmico e revitalizado.
Conferência de Política Urbana
Para a vereadora Iza Lourença (Psol), contudo, a discussão sobre alterações nos instrumentos de política urbana previstas no Plano Diretor representa um debate extemporâneo, uma vez que o tema já teria sido exaustivamente tratado na IV Conferência Municipal de Política Urbana de Belo Horizonte, evento no qual foram definidos os termos centrais para a criação do novo Plano Diretor da cidade. Realizada em 2014, a conferência reuniu representantes da sociedade civil, do setor empresarial e do poder público para discutir e propor diretrizes para o desenvolvimento urbano da Capital.
No entendimento de Iza Lourença, os agentes participantes da conferência decidiram por um modelo de desenvolvimento urbano focado no ideal de cidade descentralizada e no uso da outorga onerosa para a construção de um ambiente urbano mais justo do ponto de vista social e ambiental. “O que vejo aqui é que aqueles que foram derrotados na elaboração do Plano Diretor estão tentando alterá-lo. Não podemos passar por cima das decisões da conferência”, defendeu a vereadora, em posicionamento que encontrou eco nas palavras de Cida Falabella (Psol), parlamentar que se manifestou criticamente a propostas de descaracterização do Plano Diretor.
Em contraponto, a vereadora Marcela Trópia argumentou que não se deve criar hierarquias entre as instâncias democráticas, afirmando que os debates ocorridos na conferência não impossibilitam a discussão sobre o tema no Legislativo Municipal.
Ação Direta de Inconstitucionalidade
Na audiência, a vereadora defendeu ainda a suspensão do art. 86 do Plano Diretor, que impede alterações das regras de uso e ocupação do solo no prazo de oito anos, ou seja, até 2027. Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Câmara Municipal, conforme explicou o procurador-geral da Casa, Marcos Amaral, pede que sejam sustados os efeitos práticos do dispositivo.
O Ministério Público de Contas reconheceu o mérito da ação, destacando que o artigo cria obstáculo para que a Câmara exerça seu papel, impedindo a livre atuação do Poder Legislativo e da própria sociedade civil diante de eventual necessidade de se reexaminar o instrumento que orienta o desenvolvimento urbano da cidade. Entre outros, manifestaram apoio à Ação Direta de Inconstitucionalidade, durante a audiência, representantes da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário e da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
Superintendência de Comunicação Institucional