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Entrevista de Luiz Fernando Pires à revista Viver Brasil

Presidente do Sinduscon-MG, Luiz Fernando Pires (Gladyston Rodrigues/Sinduscon-MG)O ano de 2014 não inspira muito entusiasmo, nem mesmo pela Copa do Mundo, tão esperada, após 64 anos sem ser realizada no Brasil. Ainda assim, é possível ser otimista, mas é preciso mudanças extraordinárias no país, especialmente no que diz respeito aos investimentos em infraestrutura. É assim que o presidente da Mascarenhas Barbosa Roscoe, a 3ª maior empresa do setor de construção industrial do país e que completa 80 anos em 2014, e presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Luiz Fernando Pires, pela segunda vez à frente da entidade, avalia a conjuntura nacional. Apesar dos poréns, que são muitos, ele mantém otimismo. “O Brasil tem muitas condições.” Mas sempre batendo o martelo de que é preciso mudar os processos e, para ontem, diminuir a burocracia, que trava as condições dos empresários para investir.

Como foi o ano de 2013 para a construção civil em Minas?

Foi um bom ano, não espetacular. Houve crescimento.

Atendeu às expectativas?

Um pouco abaixo. Esperávamos mais perto de 4% a 5%, mas ficou na ordem de 2%.

Para 2014, o que tem sido feito para melhorar?

Não é um ano com grandes expectativas de crescimento, vamos manter próximo do que houve em 2013. Por vários fatores. O país está envolvido com 2 grandes eventos, não é que tenham impacto na construção, é que levam a atenção dos dirigentes, a Copa do Mundo e as eleições, e cuidam menos dos problemas estruturais que o país tem.

Não é um pouco contraditório isso? A Copa provoca estagnação, em vez de expandir investimentos?

É que não temos feito o dever de casa. As coisas estruturais no país não estão andando. Já há alguns anos que as reformas estruturais que o país fez foi na década de 1990, entre 1994 e 2000. Depois não teve mais, entrou em processo só de gastar, de consumo. Nossa infraestrutura está muito precária. É fácil, é muito visível, pega o dia a dia e vê o tempo que se leva para deslocar. Os nossos portos e aeroportos, vê a situação em que estão. A expectativa deste ano é de recorde na produção agrícola. Mas não é de ganhos, porque você vai pegar essa produção e não vai conseguir colocá-la nos portos, vai exportar com custo maior. A expectativa é de perda de parte da produção e de exportação com custo maior. O mundo é de competição, o Brasil tem de melhorar.

O que é tão difícil?

Tudo. Você leva muito tempo para aprovar qualquer projeto e para colocá-lo em operação. A burocracia é infernal. Não estamos trabalhando para melhorar as condições de fazer negócio. Deveríamos trabalhar a partir do princípio de que as pessoas são sérias, mas é o contrário, você parte do princípio de que são desonestas. O Brasil, em relação comercial com o mundo, é comparado com a Coreia do Norte. Estamos nos aliando aos piores.

O senhor acha que o mito de que o brasileiro é desonesto é equivocado?

É equivocado. Você tem de fazer as coisas simples. Não anda nada. A maior parte das construções é fora da lei, mas quem quer fazer dentro da lei tem dificuldade enorme.

E quem constrói dentro da lei não denuncia isso?

Faz, mas esse eco está pequeno, temos de lutar mais. Nós, como entidade de classe, temos de fazer mais força junto aos atores políticos quanto a esse processo, que está travando o país em todas as esferas.

Há algum cálculo que mostre o quanto a burocracia atrapalha o país no segmento da construção civil?

Tem um cálculo, por alto, que, para cada unidade habitacional para faixa mais baixa, você coloca capital de giro mínimo de 70 mil reais. Se colocar uma velocidade mais rápida, seria pela metade. Você perde com o processo burocrático. Não é estimulante. Sou otimista, acho que o Brasil tem condições para crescer, mas não estamos fazendo o dever de casa. Você tem de punir quem transgride a lei, a violência gratuita, a baderna, mas não está acontecendo.

Que tipo de baderna?

O que você vê na rua, diariamente, violência. Afeta tudo, a segurança, não só a construção civil, mas o povo brasileiro. Quem tem dinheiro está investindo em outro lugar, o que não é bom para o país. O Brasil precisa criar as condições adequadas para se investir aqui, em transporte, segurança, infraestrutura. Dizer que a Copa ia trazer investimentos é verdade, mas dá uma ida ao aeroporto de Confins. O estádio do Mineirão está pronto há muito tempo, mas como chegar ao estádio? A infraestrutura não foi feita. Os benefícios com a Copa não aconteceram. Para isso, tem que decidir investir, depois formar profissionais.

Houve um momento em que faltavam profissionais na ponta da construção civil. Então, temos falta de profissionais qualificados nas 2 extremidades: quem pensa e quem realiza?

A construção civil tem superado bem isso, está crescendo muito. Teve que agregar muita gente, pessoas que nem tinham tanta formação. O que tem acontecido muito é que os governos não fazem formação em carreira dos gestores que vão atuar. A China tem 15 ministros, 13 são engenheiros. No Brasil, tem algum profissional que atua na área em que é formado? O ministério deveria ser conduzido por pessoas profissionais, não só o ministério, mas a estrutura toda. Um programa que está andando, que o governo ouviu o setor da construção, é o Minha Casa Minha Vida. A Caixa tem melhorado sua eficiência. Foi feita uma legislação específica, o governo ouviu, aceitou as propostas, grande parte dela é feita pela iniciativa privada.

É um programa que impacta a construção civil?

Sim. Quando melhoram as condições de moradia, tiram pessoas que estavam em aglomerados sem a estrutura mínima, é extremamente positivo.

E a respeito da bolha imobiliária. Terá?

Não, os números são muito claros. O financiamento imobiliário no Brasil chega a 8% do PIB. Nos países desenvolvidos, é 100% ou mais. O que ocorre aqui é muito diferente do que aconteceu nos Estados Unidos em 2008. Havia financiamento especulativo ou refinanciamento. Aqui, os financiamentos são para primeira moradia, não é especulativo.  O índice de inadimplência é baixíssimo.

O que vai mal?

É a burocracia. Se você tem um terreno, tente construir. Depois de construído, tente tirar o habite-se, é um inferno. O servidor público dá a impressão de que é inimigo da população que vai lá pedir um serviço pelo qual está pagando. Não tem compromisso, prazo nenhum. O empresário não quer fazer nada contra a lei e o meio ambiente, os processos têm que andar, destravar. O Brasil precisa ter regras seguras, clima de segurança. Cada um tem que fazer seu papel. A polícia tem que apurar. Nossas instituições têm que trabalhar melhor, isso cria clima de desenvolvimento. Aí, as pessoas vão querer vir para cá.

Está havendo fuga de investidores? Que exemplos o senhor pode dar?

Só você olhar quantas pessoas estão investindo em Miami. Isso é um trabalho que o Brasil tem que encarar, fazer programas e reformas com profundidade. Controlar a inflação de verdade. Não é campanha política. E as eleições estão aí. Precisa tomar remédio amargo, adequado à situação.

Como o sindicato se posiciona neste ano, que é de eleição?

Deve ser neutro. A escolha de candidato é individual. O sindicato não pode dar dinheiro para campanha, as empresas, sim.

O setor da construção civil é sempre associado a políticos, a licitações. O que há de verdade nisso?

São seres humanos, assim como qualquer outra área, a imprensa, a bancária, todas as atividades precisam se estruturar para sobreviver. Em qualquer segmento, você vai encontrar uns mais sérios e outros menos, mas não se pode dizer que é o segmento. Há empresários com perfis diversos, se o segmento caminha bem, é porque tem gente séria. Vai apoiar partido A ou B? Vai, porque acredita que o partido é melhor ou porque tem relações pessoais. Mas isso não é regra, a minha visão como entidade de classe é que nós temos de olhar o que é melhor para o conjunto da sociedade. O ideal é que a gente tenha estadistas em todos as esferas, que não se candidatem por dinheiro, que tenham a sua independência e que vão lá realmente para servir o país.

O senhor acredita que hoje temos estadistas no cenário?

Não vou apontar ninguém. Não estamos vivendo o melhor momento para isso. Não vejo grandes estadistas.

Ano de eleição é bom para o setor?

Acho que não vai interferir muito. Assim como a Copa do Mundo, para a construção civil, não faz diferença porque é um evento localizado.

Qual é a participação do poder público na construção civil brasileira?

Hoje o investimento em infraestrutura está muito pequeno. O ideal seriam 25%, está em18%. O Brasil deve estar investindo 2%, o resto é setor privado.

Há uma questão em Belo Horizonte a respeito dos casarões históricos. Como é a orientação do sindicato sobre isso?

Existe uma convivência. Você tem o patrimônio histórico, e ele definir o que deve permanecer é extremamente positivo. O que é ruim é a insegurança, a dúvida. Se você compra uma casa e ela não era tombada e torna-se, você tem um problema. Eu sou favorável a que se preserve a história. O que atrapalha não é isso, é a insegurança, é a mudança durante o processo. Temos trabalhado com o poder público para evitar isso.

Quanto tempo leva da apresentação de um projeto à aprovação dele?

Depende. Eu apresentei um prédio para estacionamento e levou 2 anos. Agora estou com o estacionamento pronto desde a primeira semana de novembro. Estamos em fevereiro, e não consigo colocar em operação. O que tem? Nada. Prejuízo. Gastei e não consigo operar. Não quero fazer nada errado, fiz exatamente como foi pedido. E aí? O país tem de ser mais simples, deixo de gerar emprego e a prefeitura de arrecadar.

O baixo crescimento do Brasil preocupa?

O país está perdendo oportunidade, muitos investimentos poderiam vir para cá. Aí, temos problema com balança, com meta fiscal, que não tínhamos na década de 1990. Está piorando muito porque, estruturalmente, não se estão fazendo as condições adequadas para que isso se desenvolva.

O senhor acredita no BRT?

Não é que vai resolver, é um instrumento a mais, mas não é um transporte de capacidade de massa, que vai dar conforto e segurança suficiente para as pessoas deixarem de usar o carro. Foi feito o Centro Administrativo, acho ótimo, mas foi levado metrô para lá? Não. O que acontece: caos no trânsito. Se eu tivesse mais condições de qualidade, de segurança, claro que deixaria o carro na garagem.

Há quanto tempo que o senhor não usa o transporte público?

Ah, muito tempo… Uso os aviões. Em outro país pego trem, metrô, ônibus.

O senhor acha que a cidade está piorando?

Isso aí acontece em todas as cidades brasileiras, não é só BH. Quando vim para cá, há 20 anos, era melhor. Tem alguma obra nova especial em BH nesses 20 anos? Não. Duplicou um pedaço da Antônio Carlos, houve uma melhoria na Cristiano Machado.

Há algo que o torne otimista?

Sou otimista, o Brasil passou por muitos desafios nesses 514 anos. Mas temos desafios grandes porque a população cresceu.

O Brasil vive uma má gestão?

Sim, em todas as esferas. Temos que melhorar a consciência pública na forma de conduzir as coisas para que qualquer serviço seja melhor. Existem pessoas boas na política, mas tem que ter essa cabeça.

Fonte: Cláudia Rezende/Revista Viver Brasil