Valor deve chegar a R$ 4 bilhões, aliviando construtoras e incorporadoras brasileiras que abriram capital na bolsa antes da crise e ficaram sem dinheiro para entregar obras Geórgea Choucair A alegria durou pouco. O mercado imobiliário brasileiro, que vivia em 2008 o ano dourado de expansão, foi obrigado a pedir socorro ao governo para salvar as construtoras da crise. E vai ser atendido. O governo deve anunciar hoje um pacote bilionário, com verbas de R$ 2,5 a R$ 4 bilhões, para financiar as empresas do setor. A previsão é que o pacote seja detalhado pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, durante o 80º Encontro Nacional da Indústria da Construção (Enic), em São Luís, no Maranhão. Ontem, em depoimento na Câmara dos Deputados, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo poderá criar uma linha de financiamento a partir do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o que exigiria mudanças na legislação. “Poderemos precisar da ajuda dos senhores”, frisou. Os empresários do setor pediram ao governo recursos para que sejam aplicados na conclusão de empreendimentos imobiliários, compra de ativos das construtoras, linha de crédito para descontar os recebíveis e processos de fusão e incorporação dos empreendimentos imobiliários. O pacote de medidas vai envolver o BNDES e a Caixa Econômica Federal. A Caixa vai lançar linha de crédito especial para o capital de giro e o BNDES participará do capital de empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo. O papel do BNDES vai ser o de fortalecer as empresas para a transição entre a crise e a normalidade de mercado, evitando quebradeira no setor. O objetivo emergencial é assegurar a conclusão de projetos previstos para 2009. O governo precisa apenas bater o martelo em relação ao valor do pacote. As medidas aguardam a aprovação dos ministérios do Planejamento e da Fazenda e o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A expectativa é que o sinal verde seja liberado hoje, para que as medidas sejam anunciadas à noite no encontro em São Luís. “A crise financeira pode interromper o nosso ciclo de crescimento de forma muito bruta. As medidas são para ajudar a reduzir o impacto da turbulência”, afirma Paulo Safady Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). A estimativa da entidade é que o setor cresça em torno de 8,5% este ano em relação a 2007. São os números de 2009 que vão ficar comprometidos, segundo Simão. “Para o próximo ano, estávamos prevendo o mesmo crescimento, em torno de 8,5%. Queremos evitar queda grande nesse desempenho”, observa. As construtoras que estavam com planos de lançar quatro ou cinco empreendimentos em 2009, diz, agora, planejam dois ou três. “As medidas são preventivas. Estamos negociando com a ministra Dilma Rousseff há mais de 30 dias”, afirma o presidente da Cbic. O crédito para as construtoras em meio à turbulência econômica é necessário, segundo Teodomiro Diniz Camargos, vice-presidente da Câmara da Construção da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg). “Os recursos da bolsa acabaram e, no crédito imobiliário para o consumidor, muitos bancos começaram a aumentar a taxa de juros. Com a verba, o governo reduz espaço para outros bancos subirem suas taxas”, observa. O momento é de expectativas, segundo Ricardo Catão Ribeiro, vice-presidente de políticas, relações trabalhistas e de recursos humanos do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais (Sinduscon-MG). “Ainda é cedo para falar dos efeitos da crise para o setor. A estimativa de lançamentos em série foi quebrada, mas vamos aguardar. De qualquer forma, a ajuda do governo é bem-vinda”, observa. Pedra sobre pedra Entenda a euforia do mercado imobiliário em 2008 O ano de 2008 chega com ótimas promessas para o mercado imobiliário: recorde de verba do governo para a habitação, linhas de créditos mais flexíveis dos bancos e alta da demanda dos interessados na casa própria. Tinha tudo para ser o ano dourado da construção. O resultado foi o aumento nas contratações habitacionais, queda de oferta de imóveis e recorde de empréstimos nos bancos. No primeiro semestre de 2008, a Caixa Econômica Federal bateu recorde em contratações habitacionais. A instituição alcançou R$ 9,181 bilhões de contratações, 34% acima do mesmo período do ano passado. Nos bancos privados, a situação não foi diferente. As operações do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) para empréstimo da casa própria atingiram R$ 19,876 bilhões nos primeiros oito meses de 2008. O ritmo superou as expectativas dos agentes financeiros do SBPE, com crescimento de 92,5% em relação ao mesmo período de 2007. Grandes empresas do setor abriram o capital na bolsa e usaram o dinheiro para adquirir terrenos. O problema é que a maior parte das ações foi adquirida por investidores americanos Crise deixa as empresas descapitalizadas justamente na hora de construir e lançar os empreendimentos. Fusões e incorporações começaram a ser a saída. A mineira Tenda, que acabou nas mãos da Gafisa, é um exemplo. Cerca de 30% das mais de 25 empresas do setor que abriram capital na Bovespa apontam dificuldades financeiras. Algumas tiveram perdas drásticas no ano, até 29 de setembro, segundo levantamento da consultoria Economática. As ações da Inpar caíram 93,6%; as da Abyara, 89,8%; as da Tenda 86,8%, as da Evan, 76,2%, as da Klabin Segall 65% e as da Tecnisa, 58,5%. Crise global aponta sinal amarelo no mercado da construção civil. Bancos como o Bradesco e o Itaú sobem suas taxas de financiamento. Construtoras indicam que vão adiar lançamentos. Setor começa a rever estimativas de crescimento e pede ajuda de R$ 3 a R$ 4 bilhões ao governo, para financiar construtoras Onda de fusões chega a Minas Com a queda das bolsas e a forte restrição no crédito externo, dezenas de empresas de médio e pequeno portes que abriram capital há pouco tempo começaram a enfrentar problemas de capitalização e passaram a ser engolidas por grupos maiores. As incorporadoras imobiliárias ficaram entre as mais vulneráveis. Segundo levantamento da consultoria Economática, as quedas no valor das ações foram drásticas em setembro, como foi o caso das ações da Inpar, Abyara, Tenda, Evan, Klabin Segall e Tecnisa. A saída adotada por algumas são as fusões e aquisições. Apesar das quedas e cenário sombrio do setor, algumas empresas prometem entregar projetos dentro dos prazos prometidos. A Klabin Segall, por exemplo, levantou R$ 350 milhões na bolsa de valores e mais R$ 430 milhões em emissões de debêntures. Com esses recursos, a empresa promete lançar, vender, construir e entregar todos os projetos planejados. O presidente da Cbic calcula que, das 25 empresas que abriram capital na bolsa de valores, vão sobrar de 10 a 12, no máximo. “Houve uma euforia inicial e agora as coisas estão se acomodando. A tendência é que as grandes façam parcerias com as médias. Para o mercado é bom, pois vamos juntar capital com conhecimento”, observa. Só em Minas Gerais, diversas parcerias foram feitas este ano. Em março, a construtora mineira Direcional, da área de empreendimentos populares e de médio padrão, passou a ter como sócio o Tarpon Investment Group, que administra fundos com investidores nacionais e estrangeiros. Em maio, o Brasil Brokers, grupo de consultoria e intermediação imobiliária, adquiriu o conglomerado de imobiliárias mineiras Rede Morar. Na capital, o grupo já detinha também a Gribel, Pactual e Primaz Em junho, foi a vez da Lider anunciar joint venture com a construtora e incorporadora Cyrela Brasil Realty. Da fusão, nasceu uma terceira empresa, a incorporadora Lider Cyerla. Em setembro, a incorporadora carioca Gafisa anunciou a compra de 60% da construtora mineira Tenda O mercado de material de construção, que já chegou a enfrentar prateleiras vazias de produtos pela falta de oferta e demanda em alta neste ano, também começa a sentir os efeitos da crise. As vendas dos produtos em Minas, que estavam crescendo entre 10% e 15% neste ano em relação ao mesmo período de 2007, recuaram e cresceram apenas 5% em setembro, em função da crise financeira. “A população fica mais insegura na hora de comprar”, afirma Ricardo Caus, presidente da Associação do Comércio de Material de Construção de Minas Gerais (Acomac). A queda de vendas, diz, estão mais relacionadas com as restrições de crédito. O setor já refez as expectativas de vendas para 2008 para 8% e 10%. (GC)