Nice Silva Especial para o HOJE EM DIA Os recordes sucessivos de vendas de automóveis no ano passado e neste ano tiveram impacto direto na construção civil. Os imóveis destinados à classe média alta e classe alta, que já vinham sendo remodelados nos últimos 15 anos para receber mais carros, são os que mais mudaram. Pelas novas leis do mercado e da concorrência, apartamentos de quatro quartos não podem ter menos que três vagas. O impacto no custo, nesse caso, é de cerca de 6% sobre o valor total do imóvel. Mas no caso dos imóveis menores, de dois quartos, ter duas garagens significa desembolsar pelo menos 11% a mais pela comodidade. E até os apartamentos de um quarto já denunciam a tendência: “Esses apartamentos já exigem duas garagens porque são para um casal que pode ter dois carros, ou então para os visitantes do morador”, explica o diretor do Sindicato dos Empregados do Mercado Imobiliário (Secovi), Reinaldo Nogueira Branco. Branco também é proprietário da imobiliária RB Imóveis, que vende e aluga imóveis na Região Sul da capital. E seja para venda ou locação, a regra é que imóvel sem garagem ou que a tenha em número insuficente para os moradores, fica muito mais difícil de comercializar. O sócio-diretor da Conartes Engenharia, José Francisco Cançado, analisa que a demanda pelo número maior de garagens indica uma mudança definitiva nos hábitos de vida. “O carro próprio é uma coisa muito desejada pelas pessoas e as construções têm que dar respaldo a isso”, afirma. A Conartes trabalha com imóveis de alto luxo e vem investindo em garagens cada vez mais sofisticadas. A explicação é simples. Como a principal via de acesso do morador passou a ser pela garagem e não pela portaria do prédio, o espaço ganhou outro status. Segundo Cançado, de alguns anos para cá, a empresa adotou um novo padrão e prioriza a construção acima do subsolo para que elas recebam ventilação e iluminação naturais. “Não existe mais aquela história de garagens sombrias e mal ventiladas. Optamos também por melhorar o acabamento com piso e revestimento de melhor qualidade sempre que é possível”, conta. O empresário diz que a regra é que apartamentos de quatro quartos tenham no mínimo quatro garagens. No caso de coberturas, as garagens podem chegar a seis ou nove. A clientela de alta renda também representa demanda diferenciada: “Tenho um cliente que possui cinco carros”, aponta cançado. Classe média alta acompanha tendência O diretor-superintendente da Habitare, Alexandre Soares, avalia que a competição acirrada do mercado imobiliário e a demanda dos clientes concorrem para que as garagens passem a funcionar como diferenciais de mercado. A empresa trata com os clientes da classe média alta imóveis com custo entre R$ 2.500 e R$ 4 mil e registra demanda crescente para apartamentos com número ampliado de garagens nos últimos dois anos. Até mesmo os apartamentos com dois quartos já incorporam a tendência das duas vagas. “Trabalhamos também com um sistema de mix, em que o apartamento de dois quartos pode ter uma ou duas garagens”, explica. Segundo Soares, em termos de custo, um apartamento de dois quartos com 60 metros quadrados com uma vaga a mais de garagem custa 11% mais do que se tiver vaga única. Já um apartamento maior, com três quartos com 90 metros quadrados tem acréscimo de 6% no preço se tiver três garagens. O diferencial da Habitare, entretanto, está num recurso extra, o estacionamento para visitantes. Há três anos, a empresa já construiu pelo menos cinco edifícios com garagens para destinadas às visitas. “Esse tipo de estacionamento tem tido excelente receptividade por parte dos clientes”, garante Soares, dizendo que muitos clientes se surpreendem com o recurso. O custo pela comodidade é relativamente baixo, fica entre 0,1% e 0,2% do custo total do imóvel. O valor reduzido é explicado pelo compartilhamento do espaço pelos condôminos. Geralmente um prédio de 100 apartamentos possui um estacionamento coletivo para visitantes com 10 vagas. De acordo com Soares, o incremento da área de garagem também é feito de outras formas como os artifícios de segurança. Nos prédios de construção mais recente, a Habitare tem projetado infra-estrutura nas garagens para instalação de circuito interno de TV e colocado sensores de presença para redução do consumo de energia. “Procuramos investir em equipamentos que permitam dificultar o acesso de estranhos nas garagens”, completa. Um prédio com 28 vagas sem demarcação e 36 carros para ocupá-las é uma conta que não fecha e que atormenta a vida da síndica do Edifício Anchieta, Sônia Bittencourt de Souza Ladeia. O prédio foi projetado em 1970 e pelo registrado nas escrituras garante a cada proprietário uma vaga na garagem. São 26 proprietários residentes e 10 inquilinos que querem ver seu direito respeitado. “A lei é de que quem chegar primeiro fica com a vaga”, delimita a síndica. O maior problema dela decorre de propaganda enganosa. É que as imobiliárias alugam os apartamentos com a cláusula em contrato estipulando o direito à vaga, afinal assegurada ao proprietário por força da escritura. Esse, por sua vez, repassa o direito adquirido ao inquilino que o exige do condomínio. A insatisfação dos moradores é certeza de uma rotina de problemas, segundo a síndica: “Eles falam com os porteiros que vão deixar de pagar condomínio porque não tem direito à garagem”. Mas ela diz que já tem a solução e vai colocá-la em prática em breve. “Vou colocar uma placa no estacionamento informando o número de vagas disponíveis para que as pessoas vejam quando vierem visitar um apartamento para alugar”, garante.