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Requinte que cabe no bolso

Pesquisa e criatividade garantem o desenvolvimento de projetos sustentáveis a custos razoáveis Denise Menezes Aliar requinte e sustentabilidade a um custo razoável é o grande desafio dos profissionais para o desenvolvimento de projetos eficientes de arquitetura e decoração. Afinal, se as limitações orçamentárias do cliente sempre foram um norte para o profissional, a recente e crescente consciência ambiental da sociedade também já interfere na concepção dos projetos e exige de arquitetos e decoradores criatividade e um trabalho constante de pesquisa. Na avaliação do arquiteto Marcos Nobre, o bom profissional se diferencia dos demais por sua capacidade de reaproveitar materiais para novos usos, sejam eles aplicados na construção ou reforma de um espaço. “Escolher tudo novo em uma loja é muito fácil. O desafio é conciliar o novo com aquilo que já se tem, na casa do cliente, num depósito de resíduos descartados ou em um ferro-velho, e harmonizar tudo isso em ambientes belos, confortáveis e funcionais, com um custo justo.” Para ele, o reaproveitamento de materiais pela arquitetura e decoração, no Brasil, se torna ainda mais importante diante do alto custo dos produtos industrializados considerados ecologicamente corretos. “Os preços desses produtos já estão caindo. Mesmo assim, ainda são altos se comparados aos materiais convencionais. Falta ainda ao país uma política de incentivo à industrialização desse tipo de material, que possibilite uma produção em escala maior e, portanto, um custo final menor ao consumidor”, observa. Além da criatividade para reaproveitar e reciclar materiais, a designer de interiores Fátima Gonçalves considera que é preciso conhecimento e muita pesquisa para o desenvolvimento de projetos sustentáveis com um custo que caiba no bolso do cliente. “As opções estão aí. Vão desde o resgate do uso de recursos simples e antigos até a aplicação de produtos industrializados de alta tecnologia. O profissional precisa conhecer esses instrumentos. O conhecimento tem que caminhar com a criatividade”, diz. Uma mostra realizada em Belo Horizonte, até o dia 31, prova que o desafio pode ser enfrentado. A segunda edição mineira da Morar Mais por Menos traz, em 37 ambientes requintados, criados em uma casa da década de 1960, situada no Bairro Cidade Jardim, soluções eficientes de arquitetura, decoração e iluminação, com custos razoáveis e ecologicamente corretos. Resgatar, renovar e reestruturar Materiais descartados podem conferir sofisticação aos ambientes internos e externos Denise Menezes Varanda do bar com materiais reciclados, cozinha gourmet e sala de estar são alguns exemplos de criatividade na mostra Morar mais por menos Que tal usar jornais velhos para revestir uma parede? Já pensou em aproveitar blocos de concreto para montar um porta-CD? Acha possível que esses materiais possam compor um ambiente sofisticado? A designer de interiores Ednei Aquino prova que sim com o escritório que criou para a mostra Morar mais por menos. Em uma das paredes do ambiente, Ednei usou jornais velhos como revestimento, colados em toda a superfície e protegidos por uma camada de verniz fosco. O recurso, defende a designer, contribuiu para dar alma ao escritório e ainda está em harmonia com um dos conceitos da sustentabilidade, o de reaproveitar materiais para a diminuição do descarte de resíduos na natureza. “Além disso, o uso dos jornais não é um efeito da mostra. Eles podem mesmo ser usados como revestimento de parede, porque têm a mesma durabilidade de um papel de parede comum, desde que sejam tomados alguns cuidados, como a aplicação a uma altura superior a 1,20 m nas casas com crianças e a limpeza com espanador ou um pano úmido bem de leve”, garante. Para a transformação de blocos de concreto em um porta-CD, outro recurso que a designer garante que pode ser usado em casa, basta pintar cada peça com uma tinta acrílica. “A pintura vai permitir que o tijolo possa ser lavado”, explica. Os arquitetos Marcos Nobre e Flávio Osamu optaram pelo reaproveitamento de vinil de outdoor, vergalhões, pneus e até de um orelhão telefônico para fazer a composição do ambiente Varanda do restaurante. O vinil de outdoor foi usado no estofamento de pufes, bancos e de uma chaise. Dos vergalhões, conseguidos em um canteiro de obras, foram feitas as estruturas da chaise e dos bancos e as esculturas, criadas pela artista Graça Pires, que decoram os pilares da varanda. Os pneus são a base dos pufes produzidos pela ONG Fred, usados pelos profissionais no ambiente. Mas o grande destaque do espaço é mesmo a poltrona feita com um orelhão telefônico, resgatado de um depósito em Contagem. “Para escolher os materiais levamos em consideração aqueles que mais se acumulam no ambiente”, diz Marcos Nobre, que também assegura que os recursos usados por eles na mostra podem ser aplicados na decoração de qualquer tipo de imóvel. DESTAQUE O reaproveitamento de materiais para a composição de painéis decorativos em paredes e muretas também ganha destaque nos ambientes da mostra, com soluções perfeitamente aplicáveis em imóveis residenciais e comerciais. As arquitetas Moema Pina e Ana Paula Vieira criaram para o ambiente Clube do uísque um painel feito com cerâmicas de demolição, garimpadas no Cemitério dos Azulejos, que reveste toda a mureta do bar. Já a designer de interiores Fátima Gonçalves usou na confecção de um painel para a Sala de degustação fibras de folhas de bananeiras, um material que, segundo ela, é descartado durante as colheitas nas plantações. A criatividade e a capacidade de pesquisa de arquitetos e decoradores da mostra resulta também no uso de materiais inusitados para a confecção de sofisticadas luminárias. A designer de interiores Deusicléia Horta lançou mão de um conjunto pendente em que ovos de avestruz fazem o papel de bojos para as lâmpadas, no ambiente Estar íntimo. Ednei Aquino usou, no Escritório, uma luminária feita a partir de tampas de garrafas PET protegidas por uma caixa de acrílico e Moema Pina e Ana Paula Vieira escolheram para o Clube de uísque uma peça formada por copinhos descartáveis de café. Soluções alternativas na mostra A evolução tecnológica da indústria garante que, a cada dia, novos produtos ecologicamente corretos sejam lançados no mercado e, com a orientação de um profissional competente, é possível aplicá-los com eficiência na construção ou reforma de um imóvel sem a elevação significativa dos custos da obra. A criatividade também ajuda para que o orçamento se mantenha equilibrado, com o uso alternativo de materiais convencionais e a restauração de revestimentos danificados. No ambiente Varanda gourmet, a dupla formada pela designer de interiores Jaqueline Rubinich e pela arquiteta Patrícia Pretti criou um deck feito com um produto cimentício que se assemelha, na cor e na textura, à madeira de demolição. “É um piso durável que, ao contrário da madeira, não sofre com calor ou chuva; portanto, não demanda manutenção”, diz Jaqueline, que aponta como outras vantagens do revestimento a padronagem, em cinco tonalidades, e o preço, cerca de R$ 190, compatível com produtos convencionais de qualidade. No restante do piso da varanda as profissionais optaram por manter e restaurar o piso original do ambiente, um marmorite. “Tratamos as trincas com uma estucagem, depois limpamos a superfície com um ácido e ainda aplicamos um impermeabilizante acrílico”, explica Patrícia, ao garantir que a restauração do piso teve um custo inferior ao que seria demandado por uma troca do revestimento. A restauração do piso, de tacos de peroba-do-campo, também foi a opção de Ednei Aquino para o Escritório. A designer recuperou os tacos com a aplicação de um produto semelhante ao sinteco, mas com a vantagem de permitir retoques pontuais em áreas que, porventura, sejam danificadas. Já a designer de interiores Valéria Alves usou no piso do ambiente Quarto do filho um revestimento de PVC, material 100% reciclável, flexível e com bom efeito estético, acústico e térmico. “Como o piso de PVC é flexível, não precisei usar rodapés. Subi com o revestimento na parede. No vão formado entre os dois, coloquei lâmpadas fluorescentes comuns para compor uma iluminação diferenciada”, diz, ao explicar que furos feitos nas beiradas do piso, junto à parede, permitem a passagem da luz, proveniente das lâmpadas embutidas. “Cobri cada furo com um cristal, desses usados em bijuterias e luminárias, o que proporcionou um belo efeito decorativo ao conjunto”, destaca. Nas paredes da Sala de Degustação, Fátima Gonçalves aplicou uma pintura trabalhada artisticamente, com efeito semelhante ao do papel de parede. “O resultado ficou excelente e fiz isso para mostrar às pessoas que existe a possibilidade de trocar produtos com processos produtivos impactantes por outros artesanais, sem perder em qualidade ou custo”, afirma. A Biblioteca criada pelas designers Ana Karina Massura, Ana Paula Chaves e Klazina Norden tem como destaque uma estante, em uma das paredes laterais do ambiente, feita em gesso, com nichos circulares, e revestida com papel de parede e pastilhas de vidro. Ana Paula explica que a estante foi produzida com três placas de drywall, moldadas por um gesseiro a partir do desenho criado pelas profissionais. Depois de pronta, foi toda revestida com um papel de parede importado, com exceção dos nichos, que receberam a aplicação de pastilhas de vidro. Mesmo com o uso de materiais nobres como o papel importado e as pastilhas de vidro, o preço final da estante ficou bem abaixo do custo médio das estantes de madeira vendidas em lojas. “Tudo ficou em cerca de R$ 3 mil, enquanto na pesquisa que fizemos em lojas o preço de uma estante de madeira laqueada e de boa qualidade era R$ 7 mil”, assegura. Sistema natural de climatização Um espaço degradado, antes usado como casa de máquinas do imóvel ocupado pela mostra, foi transformado em uma adega, com sistema de climatização natural, pelo trio formado por Lênia Barbosa, arquiteta e designer, Júnia Lobo, paisagista, e Eliana Braga, artista plástica. O muro descascado e tomado por musgos teve apenas as pichações removidas, para dar um ar provençal ao ambiente e permitir a passagem da umidade necessária à conservação da bebida. Lênia conta que outra medida tomada pelas profissionais, para garantir a climatização natural da adega foi substituir o cimento do piso por uma forração de granitina, cortada por chapas de ferro que marcam a circulação do ambiente. “A granitina absorve a umidade da terra e, portanto, contribui para manter uma temperatura agradável e adequada aos vinhos”, observa. Por fim, uma cascata de água também foi adaptada ao ambiente, levando uma sensação de natureza ao espaço, além de ajudar para a sua correta climatização, sem a necessidade do uso de energia elétrica. De acordo com a arquiteta, o projeto desenvolvido na mostra pode ser replicado do ponto de vista estético em casas e apartamentos, mas a climatização natural dificilmente poderá ser feita, “A estética provençal, com paredes descascadas, o mobiliário, plantas e adornos, pode ser transferidos para uma adega em casa, feita em um quarto de empregada ou até em espaços próximos da caixa d’água. No entanto, a climatização terá que contar com o auxílio de equipamentos. A climatização natural só é possível em ambientes construídos abaixo do solo e cercados por terra”, diz.