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Compra de Imóvel na planta ainda representa um risco Encol

Nice Silva Especial para o Hoje em Dia Mais de quatro anos depois de regulamentada, a lei que criou o patrimônio de afetação – que promete evitar a repetição de rombos no setor de construção como o deixado pela falida Construtora Encol – continua pouco utilizada pelas construtoras. A Encol faliu em 1997, deixando mais de 40 mil pessoas que compraram um imóvel na planta no prejuízo. O patrimônio de afetação deve ser registrado em cartório. Todos os recursos destinados a uma obra, vendida na planta ou em construção, devem ser separados de outros empreendimentos de uma mesma construtora. Isso evita que os recursos da construção de um apartamento, por exemplo, sejam desviados para uma outra obra que não aquela na qual o comprador investiu e espera ver pronta. Os cartórios de Belo Horizonte confirmam a quase inexistência de patrimônios de afetação relacionados às incorporações imobiliárias. As construtoras confirmam que não o utilizam por ser muito burocrático. E a lei tem aplicação facultativa . Além de proteger o comprador, o patrimônio de afetação pode ter uma utilidade importante. É que a lei que o instituiu prevê também a prestação trimestral de contas aos compradores. Com isso, eles podem avaliar periodicamente o custo da construção, como explica o coordenador do departamento Comercial da Associação dos Mutuários e Moradores de Minas Gerais (AMM-MG), Marcelo Nogueira. “Se o comprador tiver acesso aos custos de materiais e insumos da construção, ele pode constatar que pagou R$ 50 mil por um imóvel que custou, de fato, R$ 35 mil”, diz. Ele também diz que o patrimônio de afetação poderia combater um problema recorrente no setor, o do atraso na entrega das obras. Segundo Marcelo, o atraso nas obras destinadas à população de renda mais baixa gira em torno de oito meses a um ano. Com isso, pessoas que deram como entrada todo o dinheiro que tinham, até mesmo o carro, ficam a ver navios, aponta. O período de atraso é lesivo para o comprador que precisa arcar com o aluguel não planejado. “Embora a lei preveja a multa para um dia de atraso depois dos 120 ou 180 dias passíveis de atraso, de acordo com o contrato com a construtora, as pessoas deixam de recorrer à Justiça por desconhecerem essa possibilidade”, explica. De acordo com a lei, existem dois casos em que as construtoras podem justificar o atraso nas obras: por caso fortuito, em que não há culpa do construtor, ou de força maior. Mas o fato é que, conforme a AMM-MG, a demora tem chegado a até três anos. Uma das explicações para a tolerância excessiva com as construtoras seria, na opinião do diretor comercial da entidade, uma brutal desigualdade de forças entre as pessoas de baixa renda e a pressão cultural e comercial exercida para a aquisição da casa própria. “Essas pessoas compram levadas pelo impulso e pela emoção. Na hora em que se sentem lesadas, têm uma sensação de impotência diante do poder de marketing exibido pelas empresas”, aponta. Segundo Marcelo Nogueira, os casais mais jovens, com idades entre 27 e 35 anos, são os mais suscetíveis à compra impensada da casa própria. Para nivelar a relação entre compradores e construtoras, a opção continua sendo o patrimônio de afetação. “Infelizmente, o culpado pela própria situação é o mutuário. Ele não pressiona as empresas para que instituam o patrimônio de afetação no momento em que vai comprar a casa própria”, argumenta. O presidente do Conselho Federal dos Corretores de Imóveis (Cofeci), João Teodoro da Silva, reconhece que o mecanismo é pouco aplicado. “O problema é que essa lei não é obrigatória, adere a ela quem quer”, diz. Ele acrescenta que a entidade tem feito palestras com os corretores para que eles conscientizem os incorporadores da necessidade de instituir o patrimônio de afetação. Mas, assim como o diretor da Associação dos Mutuários, Teodoro concorda que a situação só mudará quando quem compra imóvel passar a exigir, das empresas de construção, a adoção do mecanismo. “Elas devem passar a exigir isso, já que a lei que as beneficia é considerada de aplicação facultativa”, diz. Ele vê o patrimônio de afetação como ferramenta para os compradores controlarem o ambiente do mercado. Burocracia emperra proteção Nice Silva Especial para o HOJE EM DIA Entre os cartórios de registro de imóveis de Belo Horizonte, a informação é que o patrimônio de afetação praticamente inexiste. “No ano passado, só tive conhecimento de dois”, relata o advogado do Cartório do 6° Ofício, Vinícius Pereira Gomes. Os cartórios do 3°, 5° e 7° Ofício desconheciam qualquer registro de patrimônio de afetação. O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Walter Bernardes de Castro, confirma que as empresas do setor não utilizam a lei de 2004. “Ela engessa o caixa das empresas”, afirma. O presidente do Sinduscon-MG completa dizendo que a lei “não pegou” porque ela traria mais prejuízos do que benefícios para as empresas. “O lucro que o incorporador obtém em um empreendimento não é suficiente para ele tocar outro”, defende. Walter de Castro diz que outra razão para o fracasso da lei é o baixo benefício fiscal oferecido pelo governo: 7% de alíquota para todas as receitas do empreendimento. “Esse benefício não é interessante para as empresas que contribuem pelo regime de lucro presumido, no qual o desconto é maior do que o oferecido para quem optar pelo patrimônio de afetação”, diz. As empresas que podem optar pelo lucro presumido devem ter faturamento de até R$ 48 milhões. Por esse regime, presume-se que todo o lucro obtido por elas é de 8%. Sobre esse montante são recolhidos o Imposto de Renda, com alíquota de 15%, e a Contribuição Social, a uma taxa de 9%. Mas algumas empresas com faturamento acima de R$ 48 milhões, que contribuem sobre o chamado lucro real, cogitam a adoção do patrimônio de afetação. É o caso, por exemplo, da MRV Engenharia. A empresa informou, por meio da assessoria de imprensa, que tem empreendimentos com patrimônio de afetação. Contudo, não precisou quantos usam o mecanismo. Segundo a superintendente jurídica da empresa, Maria Fernanda Menin, o número de contratos com o mecanismo pode vir a aumentar. “A MRV tem uma margem com a qual pode passar a ser mais interessante adotar o patrimônio de afetação e conseguir o benefício fiscal de 7%”, declara. Ela concorda que a burocracia é outro aspecto para que a lei seja, até o momento, praticamente letra morta. “Tem que ter caixa só do empreendimento, todas as despesas, todos os tributos. Logicamente que a segregação exige controle. Então, para aquelas empresas que não têm essa segregação na prática, é realmente muito mais trabalhoso”, admite. A advogada diz que a exigência do patrimônio de afetação, assim como a constituição de uma comissão de representantes para negociar com as construtoras, previstas na lei, são prerrogativas do condômino, mas que, até o momento , não é uma prática essas exigências acontecerem. “O brasileiro tem pouca capacidade de mobilização”, reconhece. Uma mudança que a mudança no cenário financeiro está trazendo pode, de acordo com Maria Fernanda, agilizar a implementação da lei. Bancos exigem constituição de Sociedade Segundo ela, desde outubro os bancos se tornaram muito mais seletivos para liberarem o crédito, exigindo que as empresas de construção apresentem uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), que elas firmam com incorporadoras ou investidores, ou o próprio patrimônio de afetação. A construtora Tenda, que, como a MRV, atende ao chamado segmento econômico, foi procurada pelo HOJE EM DIA, mas não quis se manifestar sobre a adoção, ou não, do patrimônio de afetação. A construtora Caparaó, de Belo Horizonte, também preferiu não se manifestar. A Habitare justificou que não adota o instrumento em razão da burocracia. De acordo com a construtora Lider, que criou a incorporadora Lider-Cyrela, dois empreendimentos, até o momento, têm patrimônio de afetação, o Minas Village Residencial e o Grand Lider Olympus.Belo Horizonte teve crescimento de mais de 80% nos lançamentos no ano passado ante 2007, um recorde, segundo o Sinduscon-MG. Diante da restrição do crédito bancário, alta dos juros e cenário adverso para os compradores irem para o financiamento bancário, especialistas demonstram preocupação com a inadimplência. “Se os contratos entre construtoras e bancos, feitos antes de outubro, assegurarem financiamento em condições de pagamento condizentes com esse momento em que as instituições financeiras estão mais seletivas com o crédito, tudo bem. Se não, as construtoras poderão ter problemas para esses compradores cumprirem o compromisso financeiro”, adverte o diretor executivo do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) e ex-presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Carlos Eduardo Duarte Fleury . Para ele, o patrimônio de afetação diminui os riscos. “Talvez seja uma lição a ser aprendida”, conclui.